Introdução

Explorando o questionamento singular reproduzido acima, o escritor John Elkington estabeleceu uma correlação, no mínimo curiosa, entre os três dentes de um garfo e os pilares da sustentabilidade, a saber: prosperidade econômica, qualidade ambiental e justiça social. Esta é a razão do título de seu belo livro “Canibais com Garfo e Faca”, Best Seller que lançou o conceito do Triple Bottom Line (Profit-Planet-People).

O canibalismo corporativo, embora não seja fácil de ser suportado e não seja uma experiência agradável, vai se manter como parte intrínseca de qualquer economia competitiva. Uma vez que seremos obrigados a conviver com ele, notadamente em economias dinâmicas e crescentes onde as corporações devoram seus concorrentes e as fusões e aquisições terminam por picar e digerir inúmeras indústrias, Elkington sugere que uma forma emergente de “canibalismo com garfos”- metáfora de capitalismo sustentável – certamente constituiria um progresso real.

De toda a sorte, a mudança em direção à sustentabilidade acarretará trilhões de dólares em novos investimentos em infraestrutura, tecnologias e serviços humanos, criando novas oportunidades para as empresas prosperarem e crescerem. Um estudo comissionado pela PriceWaterhouseCoopers indica que este investimento poderia  alcançar a casa de US$3-10 trilhões por ano em 2050.

Sustentabilidade: um caminho sem volta

Como disse Machiavel há 500 anos, “não há nada mais difícil de planejar, mais duvidoso de sucesso e mais perigoso de administrar do que a criação de um novo sistema. Pois o criador tem a inimizade de todos aqueles que se beneficiariam com a preservação das antigas instituições e a indiferença daqueles que irão lucrar com as novas”.

Por maior que se apresente a complexidade do conceito, por mais tortuoso que seja o caminho e independentemente dos vários bloqueios que acometam as lideranças das corporações, as evidências sugerem que, mesmo aquelas que têm pouca ou nenhuma experiência no convívio com novos stakeholders e suas agendas, se encontrarão inexoravelmente atraídas pelas controversas mudanças introduzidas pela transição para a sustentabilidade.

A proposta central do livro de Elkington é de que as empresas no século XXI, por necessidade imperiosa, ditada por exigências mercadológicas, terão de focar na criação de valor multidimensional para atender uma demanda de consumo que está se tornando cada vez mais consciente.

Para tanto, o enfoque do futuro não deve ser apenas nas mudanças tecnológicas e nos sistemas de gerenciamento, mas também nos valores e nas intenções. O nível de mudança que será impingido às nossas economias, às nossas cadeias de valor, às nossas empresas e ao pessoal que trabalha com negócios vai ser ao mesmo tempo profundo e emocionante.

Adicionalmente, conforme previram John Wiley&Sons no livro The Chrysalis Economy (2001) uma enorme reviravolta está em curso, motivada pelo que o economista austríaco Joseph Schumpeter chamava de forças de “destruição criativa”, com grandes implicações para absorção do pensamento de sustentabilidade.

Elkington sugere que estamos caminhando em direção a um período em que a economia global entrará em um tipo de estado tixotrópico. Todas essas pressões vão mobilizar um conjunto de dinâmicas que são imprevisíveis e profundamente destrutivas para as empresas: “A maior parte das empresas que conhecemos atualmente não estará em atividade em 15‑20 anos, o que é quase uma afirmação inconcebível”.

Na perspectiva de Tom Burke, que aconselhou três secretários do meio ambiente do Reino Unido, “provavelmente o que estamos assistindo é o surgimento de uma nova era do capitalismo apropriado a um novo milênio, no qual as fronteiras entre os valores corporativos e humanos estão começando a se dissolver. Agora está claro, a partir dos resultados, quem ganhou a batalha do século 19 entre o capital e o trabalho. O socialismo, como uma teoria econômica, embora não como uma cruzada moral, está morto. A questão agora é definir qual o tipo de capitalismo que desejamos”.

Uma vez entendido que a sustentabilidade é um valor que pressupõe solidariedade transgeracional, quando utilizamos irresponsavelmente recursos não renováveis, ou comprometemos os recursos renováveis, estamos roubando riqueza do futuro. Sendo assim, somos bandidos do tempo, retirando a riqueza de vítimas que nem sequer nasceram.

Passo-a-Passo Rumo à Sustentabilidade Corporativa

É inimaginável supor que a humanidade conseguirá atingir, um dia, um ponto onde todo o Planeta compartilhará um determinado conjunto de valores, porém, é certo que tenderá a uma convergência em torno de um pequeno conjunto comum. Esta tendência será tanto mais importante à medida que as corporações enxerguem seu futuro de maneira global. A globalização possui dimensões econômicas, ambientais e sociais, portanto, a sustentabilidade, como novo paradigma dos negócios no século XXI vai incorporar à sua pauta complexa, temas como igualdade, justiça, alívio à pobreza e redistribuição de oportunidades. Embora alguns executivos possam alegar que seu negócio não é salvar o mundo, as empresas que dirigem necessitam de mercados estáveis e, acima de tudo de boa imagem na mídia, reputação e confiança do público, de seus clientes e investidores.

Qual é o caminho seguro para levar uma corporação à sustentabilidade? Esta pergunta surge de forma recorrente e sua resposta não pode dar margem a tergiversações que levem a atalhos traiçoeiros como é o caso, por exemplo, da mercantilização do termo sustentabilidade.

O caminho apontado por Elkington estabelece as sete dimensões de um futuro sustentável – um mundo em 7‑D–, que verá mudanças de paradigma, autênticas revoluções que poderão auxiliar ou eliminar as possibilidades das corporações de superar a transição para a sustentabilidade. São elas:

Revolução Enfoque Velho Paradigma Novo Paradigma
1 Mercado Consentimento Competição
2 Valores Rígidos Maleáveis
3 Transparência Fechado Aberto
4 Tecnologia do Ciclo de Vida Produto Função
5 Parcerias Subversão Simbiose
6 Tempo Amplitude Extensão
7 Governança Corporativa Exclusivo Inclusivo

 

A Revolução 1 será impulsionada pela competição tanto em âmbito nacional quanto internacional. A habilidade para identificar as condições de mercado e os fatores que podem disparar aquilo que o autor chama de “terremotos” será a chave para a sobrevivência e sucesso das corporações.

A Revolução 2 será guiada pelo deslocamento dos valores humanos e sociais em todo o mundo. Corporações de vanguarda já identificaram o surgimento de um conjunto de novos valores, ou valores revistos, que serão primordiais para a transição da sustentabilidade, que requer colaboração e parceria com outras organizações não empresariais. Muito embora as empresas esclarecidas já tenham incorporado uma dimensão social às suas estratégias corporativas, elas não conseguirão, sozinhas, atender a complexa agenda da sustentabilidade.

A Revolução 3 é a da transparência, que segundo o autor, está “fora de controle”. Algumas formas de divulgação serão voluntárias, mas outras brotarão mesmo com pouco ou nenhum envolvimento direto da maioria das empresas. Esse processo está sendo impulsionado pela conjugação de novos sistemas de valores com tecnologias de informação radicalmente diferentes tais como a televisão via satélite e, principalmente, a internet suportando as redes sociais.

A Revolução 4 responde pela mudança de visão das empresas, de um enfoque de simples aceitação de seus produtos nos pontos de venda para um enfoque em seu desempenho, do nascimento à morte, e cada vez mais, do nascimento ao nascimento, ou seja, da extração da matéria-prima à reciclagem ou ao descarte do produto.

A Revolução 5 é a que impulsionará as parcerias, até mesmo entre as empresas ditas “inimigas” que buscarão associações simbióticas e proporão novas formas de se relacionar com as concorrentes.

A Revolução 6 tem a ver com um novo olhar sobre a grandeza tempo, de mais intenso – o tempo é curto, tempo é dinheiro- para mais longo, pelo fato de que a agenda emergente requer pensar em décadas, gerações e, em alguns casos, séculos.

A Revolução 7 é a da Governança Corporativa que interage com cada uma das demais revoluções. Está assentada no sistema de controle das empresas que, quanto mais refinado, mais amplia a possibilidade para desenvolvimento de um genuíno capitalismo sustentável.

Conclusões

  • A Transição da sustentabilidade exigirá que mudemos a ênfase do crescimento econômico (com foco na quantidade) para desenvolvimento sustentável (com foco nas qualidades econômicas, ambientais e sociais)
  • Nossa capacidade de alcançar a sustentabilidade de longo prazo dependerá de nossa habilidade em ajudar a acionar capitalistas, mercados financeiros, empreendedores, classes dirigentes e consumidores das economias emergentes, das nações em desenvolvimento e dos países menos desenvolvidos.

Referências

ELKINGTON, John. Sustentabilidade, Canibais com Garfo e Faca, São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda, 2012.

ELKINGTON, John. The Chrysalis Economy. John Wiley & Sons, Inc, 2001

 

por Ciro Mendonça

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