É melhor se sofrer juntos do que ser feliz sozinho”

Vinícius de Moraes

INTRODUÇÃO

A revista ISTOÉ Platinum traz na capa de sua edição Nº37 (Set/Out/Nov) a foto do ator norte americano George Clooney a propósito de sua parceria com a Nespresso, consagrada marca pertencente à gigante suíça Nestlé, visando ao cultivo de café no Sudão do Sul, o combalido país situado no centro-norte da África, marcado pela miséria e opressão provocadas pelo ditador de seu país vizinho, o Sudão. Como diz a revista, “quando marcas de luxo se unem a celebridades engajadas em causas humanitárias, uma verdadeira revolução entra em marcha mudando a vida de comunidades carentes e agregando um valor inestimável à imagem das grifes”. É o próprio Clooney quem diz: “empresas não fazem caridade. A Nespresso vai investir no País porque as terras são boas o suficiente para o café da marca”.

Estrelas de Hollywood em parcerias com empresas detentoras de marcas de luxo, voltadas para ações humanitárias, têm se transformado no elo entre a necessidade e o luxo, autênticos catalisadores entre a letargia e a transformação.

Conforme afirma Luciano Deos, presidente da Consultoria Gad’ Lippincott, “as empresas são grandes agentes de transformação econômica, política e social. Dentro desse contexto, elas precisam se posicionar sobre os temas importantes para a sociedade e associar-se a personalidades engajadas é uma estratégia acertada para acelerar esse posicionamento da grife”.

OUTROS EXEMPLOS NA ESFERA PRIVADA

1. Um exemplo que promete revelar muita sinergia foi a parceria concretizada entre a Alpargatas e a Osklen, que em outubro de 2012 vendeu 30% da participação para a primeira, com opção de mais 30% em 2014. A fabricante das havaianas venceu a corrida pela compra da grife fundada, quase que por acaso, em 1986 pelo médico gaúcho Oskar Metsavaht que, utilizando seus conhecimentos de biofísica, desenvolveu um anoraque de tecido tecnológico- próprio para baixas temperaturas- visando escalar o Aconcágua com os amigos.

A peça, que tinha acabamento impecável, fez tanto sucesso que não tardaram novos pedidos, o que levou Oskar à paradoxal ousadia de abrir uma pequena loja em Búzios para vender casacos para nevascas num país sem neve e numa cidade famosa pelas belas praias. Os compradores, em geral, eram gringos que frequentavam o local.

Após reinar por mais de dez anos comercializando roupas de surfwear, Oskar decidiu, estimulado pelo consultor de moda inglês Robert Forrest, explorar mais suas peças conceituais que, até então, careciam de uma precisa definição, que ele próprio se incumbiu de elaborar:

“Andamos bem tanto com reis e rainhas quanto com os garotos da favela. Nossa elite cultural usa as fitas do Senhor do Bonfim e as sandálias havaianas que o porteiro também usa. É a nossa natureza. O simples que é chique”.

Apoiada nos conceitos de “Brazilian Soul” e “United Kingdom of Ipanema” a Osklen, captando os desejos bucólicos de mercado, investiu em procedimentos sustentáveis em todas as etapas de produção de suas peças. Em 2008 foi reconhecida pela WWF inglesa como uma marca “Future Maker”, devido à transparência na obtenção e processamento das matérias primas que utiliza. Após fundar um instituto e uma ONG especializada em projetos de sustentabilidade com foco na moda, Metsavaht recebeu em Paris o título de embaixador da UNESCO.

“Não sou Green, não sou ecologista. Busco apenas o desenvolvimento sustentável, uma nova visão empresarial da maneira de lidar com as matérias-primas, para que elas não sejam tão escassas num futuro próximo”. E conclui: “uma marca é identificada como de luxo por lidar com valores considerados nobres e a nobreza passa pela preocupação social”.

Dono de um império avaliado em R$ 1bilhão, o estilo cool de Oskar confunde-se com o de sua marca, pois é visto pelas ruas do Rio, desfilando seu minimalismo elegante em cima de um skate! Foi por tudo isso que a Alpargatas se envolveu em uma disputa de titãs com a LVMH, maior conglomerado de luxo do mundo (US$ 32 bilhões de faturamento em 2012) e a Kering, dona das marcas Gucci e Saint Laurent.

Brigou – e venceu- para conquistar o papa da sustentabilidade fashion, o único brasileiro listado no livro L’Orizzonte degli Eventi, do italiano Fabriano Fabbri, sobre os grandes criadores dos anos 60 até os dias de hoje. A Alpargatas incorpora, assim, o rosto do new luxury, conceito criado para definir as marcas de luxo que trazem em sua agenda a sustentabilidade, a simplicidade e o bem-estar como força motriz, além do frescor criativo das culturas emergentes.

Mas e a Osklen, o que ganhará com isso? Vai livrar o estilista Metsavaht das responsabilidades administrativas do cotidiano para concentrar sua energia na área da criação:

“Empreender nunca foi a minha. Não gosto de ser chamado de dono ou empresário; sou um criador”.

2. Um dos mais notáveis exemplos de parceria foi a que o banco Grameen estabeleceu com as mulheres pobres de Bangladesh, um dos países mais desfavorecidos da Ásia. Tudo começou com a iniciativa de seu fundador, o economista Muhammad Yunus, voltado para atender os deserdados da sociedade que, à primeira vista, não ofereciam garantia alguma de recuperação dos empréstimos e, por isso, eram rejeitados pelas instituições financeiras tradicionais. A estratégia do Grameen foi conceder microcréditos por acreditar em seu poder de alavancagem para libertar as pessoas da pobreza, sem grandes riscos para o financiador. Duas regras simples estabelecidas pelo banco asseguraram grande sucesso ao programa:

1ª – Os empréstimos eram feitos a grupos de pessoas- de uma mesma aldeia- que se responsabilizavam mutuamente por sua devolução.

2ª – Priorização das mulheres na concessão dos empréstimos.

Esta última regra significou uma tremenda quebra de paradigma num país sexista onde as mulheres representavam menos de 1% do total dos empréstimos concedidos em Bangladesh. Yunus acredita que as mulheres são mais intensamente tocadas que os homens pela fome e a pobreza, pois elas passam pela experiência traumatizante de não poder amamentar o filho durante os dias de fome e penúria. Por isso, quando veem surgir uma oportunidade, por modesta que seja, de sair da pobreza, elas se revelam mais combativas que os homens.   A prática revela que o dinheiro, quando utilizado por uma mulher numa família, beneficia mais o conjunto dos membros do que quando é utilizado por um homem. Elas são 97% dos 6,6 milhões de beneficiados pelos empréstimos do Grameen e a taxa de recuperação é de 98,85%.

A atuação do Banco Grameen mudou a vida de milhões de pessoas em Bangladesh. O sucesso foi tão grande que jogou por terra os argumentos de economistas acostumados a raciocinar em termos conservadores. O modelo foi exportado para outros países favorecendo milhões de pobres em todo o mundo e, no ano de 2006, Muhammad Yunus foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz.

PARCERIAS NA ESFERA PÚBLICA

As parcerias também estão presentes na esfera pública e há diversos exemplos de municípios que assinaram contratos de assessoramento técnico para elaboração de Planos Intermunicipais voltados para gestão de resíduos sólidos que incluem a formatação de consórcios para compartilhamento de aterros sanitários entre pequenos municípios de uma mesma região. A implantação e manutenção de aterros sanitários – uma complexa obra de engenharia- é muito cara para apenas um município e esta modalidade de parceria gera economia de escala e alivia o orçamento das prefeituras. No escopo desses consórcios é usual o município que abriga o aterro sanitário a ser compartilhado, receber uma compensação financeira através de maior participação no ICMS ecológico.

A assinatura de convênios para criação de links e interfaces visando ao compartilhamento de bases de dados de sistemas já existentes também é recorrente entre diversos organismos e agências de governo contemplando desde a gestão de recursos hídricos até dados das áreas de saúde, educação e as mais variadas estatísticas indispensáveis ao estabelecimento de políticas públicas.

A recente aquisição de 36 aviões-caça (Gripen NG) da empresa sueca Saab é uma parceria entre o Governo Brasileiro e a Suécia, pois pressupõe acordo comercial para transferência de tecnologia, além da utilização da estrutura industrial da EMBRAER para futura produção no Brasil visando ao mercado da América Latina e África do Sul.

CONCLUSÕES

John Elkington, autor de “Canibais com Garfo e Faca”, ao listar as 7 revoluções que guiarão as corporações para os novos paradigmas da sustentabilidade, não por acaso, incluiu as Parcerias (revolução nº5) entre elas. Referindo-se a novas formas de “alianças estranhas” caracterizadas até pela união de antigos concorrentes, ditadas por necessidade imperiosa dos mercados, destaca a capacidade e habilidade para gerenciar atritos e conflitos conscientes num cenário de complexidade crescente.

A importância das Parcerias aparece, também, no bojo da “Arquitetura para o Engajamento Empresarial Pós-2015” modelo concebido pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS (disponível em http://www.quanticaconsultoria.com/material-para-leitura/casos-e-praticas/) que ilustra os elementos fundamentais dessa construção, necessários para melhorar a sustentabilidade corporativa e contribuir eficazmente para o desenvolvimento sustentável, criando valor, tanto para as empresas quanto para a sociedade.

Para Elkington, o pior bloqueio que os líderes deverão transpor para explorar o potencial das parcerias é a crença de que suas empresas poderão resolver sozinhas, todos os desafios da transição para a sustentabilidade. Se tal transição fosse simplesmente uma questão de aprimoramento contínuo, esse bloqueio não seria tão sério. Ocorre que estamos às voltas com deslocamentos de mercados estabelecidos e de relacionamentos comerciais. Num mundo em que “2+2=50”, o poder das “alianças estranhas” aumentará a vantagem competitiva dos setores industriais e das empresas que forem capazes de administrar sua imersão nessa nova realidade.

Referências

ASTUTO, Bruno. Rei do Cool, em GQ nº31, São Paulo: Globo Condé Nast, 2013

BORELLI, Bruna; MESTRE, Natália. O Poder de Transformar, em Revista ISTOÉ Platinum nº 37, São Paulo: Editora Três, 2013.

ELKINGTON, John. Sustentabilidade, Canibais com Garfo e Faca, São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda, 2012.

YUNUS, Muhammad. O Banqueiro dos Pobres 1. ed. São Paulo: Ática, 2006

 

por Ciro Mendonça

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