Parte 2 – Trabalho remunerado, destino da remuneração e criação de riqueza

Na parte 1 demonstramos por meio de uma analogia com uma sociedade de economia simples que o sustento de uma sociedade é feito pela população economicamente ativa. Agora, falamos sobre a relação entre a remuneração do trabalho, a poupança e investimento para o aumento da riqueza em sociedades de economia complexa.

Ainda que o sustento das sociedades modernas envolva cadeias produtivas longas, complexas e entrelaçadas, em cada etapa do processo produtivo, há trabalho que contribui para este sustento e que precisa ser remunerado[1].

Nem todo trabalho que contribui para o sustento da sociedade é remunerado. O caso clássico é o “cuido” da vida privada (fazer a cama, cozinhar, ir ao supermercado, lavar e passar roupa, limpar casa, cuidar de crianças, etc..). Em países em que o desenvolvimento absorveu mão-de-obra em atividades econômicas de maior produtividade, existe pouca terceirização deste que fica sem valor atribuído e, por isso, parece até que não envolver trabalho. Em muitos lugares é visto como trabalho de mulher, significando que as mulheres que o realizam não são remuneradas. O fato é ilustrado em economia pela frase “if a bachelor marries his maid, GDP goes down”. Mesmo em países como o Brasil que, conforme OIT (2013) se destaca como o de maior contingente de empregados domésticos, a terceirização é executada principalmente por mulheres pouco qualificadas e com baixa remuneração.

Outro trabalho produtivo executado pela mulher que não é remunerado é a reprodução da mão-de-obra. Ainda que a sociedade venha se beneficiar desta produção, ter filhos sequer é vista como atividade econômica. Apenas sociedades que já enfrentam problemas com populações declinantes[2] implementaram remuneração direta (subsídios) ou indiretos (serviços públicos de alta qualidade) para incentivarem as mulheres a reproduzirem, reduzindo o custo de oportunidade de se dedicarem a atividades mais bem remuneradas.

A sociedade brasileira, apesar de ter cerca de 30% de seus lares chefiados por mulheres – estatísticas de PNADs, tem pouquíssimas políticas públicas apoiando-as. Além disso, nossa cultura vê as mulheres que interrompem a gravidez como criminosas, mas, não se considera responsável pelo o que acontece com a vida destas mulheres e das crianças que gerarão. O preço de reproduzir a mão-de-obra é particular, enquanto o benefício de sua disponibilidade é público[3].

Há pessoas que não se engajam em qualquer tipo de atividade econômica que contribua para o sustento da sociedade porque podem estar sendo sustentados por outras que trabalham. E há os detentores de propriedade que as empregam para uso produtivo vivendo da remuneração deste capital.

A remuneração do trabalho só tem três destinos possíveis: consumo, impostos e poupança. O consumo volta imediatamente para a economia e a faz girar. Os impostos são utilizados pelos governos para sustentar a máquina governista, prover serviços públicos, redistribuir renda e investir. E a poupança, se não ficar no colchão, é empregada em algum tipo de investimento que representará uma transferência de riqueza presente para o futuro. Essa transferência pode ser feita pelos indivíduos ou por intermediação de terceiros e do governo.

Portanto, a habilidade de transferir riqueza para o futuro está diretamente relacionada à aplicação de parte da remuneração do trabalho em investimentos que aumentarão a riqueza futura. Ou seja, é preciso aumentar o tamanho do bolo, que na linguagem econômica se chama PIB.

[1] Uso aqui deliberadamente o termo trabalho remunerado para distingui-lo de “emprego”. Este último é a forma institucional que substituiu as instituições de trabalho servil e escravo e por meio do qual a maior parte das pessoas não detentoras dos seus próprios meios de produção vendem seu trabalho. Frequentemente, o trabalho que não é realizado na forma de um emprego, não é remunerado (ou não tem preço atribuído) e,por isso, parece que não tem valor ou não é percebido como trabalho.

[2] Chile, Nova Zelândia, Rússia, países nórdicos, por exemplo.

[3] O custo de crianças criadas em condições precárias também.

 

por Silvia Pereira

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