Durante um programa de educação corporativa, realizado no cenário paradisíaco de Angra do Reis, estava pensando sobre o trabalho que decorria com o grupo e o associando a uma leitura recomendada em meu Mestrado, e então decidi compartilhar com os amigos leitores algumas reflexões sobre o poder nas organizações. O assunto é bastante amplo e polêmico, por isso sem nenhuma pretensão de caráter acadêmico, e muito menos de esgotá-lo, tentarei analisar alguns pontos do livro “O poder nas organizações” (Max Pages e outros) que desencadearam algumas ideias sobre este tema, baseadas em minha experiência e percepções pessoais.

Na visão dos autores da citada obra, o poder é “um sistema que se inscreve sobre um quádruplo eixo de coordenadas: econômico, político, ideológico e psicológico”, que pode ser exercido por formas de controle, que evoluíram da repressão e punição para a interiorização e normalização, permitindo que as organizações penetrem em esferas antes consideradas privadas como: os valores, os ideais, o estilo de vida, a personalidade.

Esse processo caracteriza-se por uma despersonalização das relações de poder, em que a figura do chefe perde expressão, sendo substituído por políticas, regras e outros dispositivos, que visam reduzir as contradições sociais, assumindo uma função mediadora, ainda que não sejam também incomuns as manifestações de poder na sua forma mais explícita, numa cultura punitiva, rigidamente hierarquizada e coercitiva, na tradicional linha do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

A empresa permite às pessoas se sentirem como em uma igreja, onde permeiam valores os quais incitam as pessoas a se dedicarem de corpo e alma a seu trabalho. Esta adesão é um elemento fundamental para o poder da empresa e para o sistema de dominação e alienação dos indivíduos. Os valores essenciais da ideologia humanista cristã (respeito ao indivíduo, valorização do esforço e do sacrifício, perseverança, integridade…) são alegados para mascarar as condições reais de exploração.

As políticas de recursos humanos são práticas ideológicas, são processos de mediação pluridimensionais, em diversos níveis, tais como: no nível econômico, onde elas gerenciam as vantagens concedidas ao pessoal em contraposição ao seu trabalho; no nível político, onde elas asseguram o controle da conformidade às regras e aos princípios, à divisão dos indivíduos e dos grupos, ao comando de suas relações; no nível ideológico, pois elas encarnam concretamente os valores de consideração pelas pessoas, do serviço e da eficácia que legitimam todas estas práticas e ocultam os objetivos de lucro e dominação; e por fim no nível psicológico, pois praticam a política de gestão dos afetos, que favorecem o investimento inconsciente massivo da organização e a dominação desta sobre o aparelho psíquico dos funcionários.

As questões levantadas suscitam profundas reflexões sobre a prática da “gestão de pessoas” nas organizações, que na minha perspectiva, podem ser entendidas como “manipulação de pessoas”. Para que isto não ocorra, cabe aos Gestores em geral e, em especial, àqueles que trabalham diretamente com a gestão de pessoas, influindo e elaborando políticas de pessoal, analisarem os impactos de suas ações, identificarem a “serviço” de quem ou do que estão trabalhando, repensarem seus referenciais teóricos e o reposicionamento filosófico, de forma a adotarem práticas de gestão, que preservem os valores pessoais, propiciem aos indivíduos encontrarem verdadeiro significado no trabalho, atuando de forma ativa e crítica no contexto em que estão inseridos, possibilitando ao sujeito perceber as contradições da relação capital X trabalho e encontrar a saída “mais satisfatória” para sua realização pessoal e, simultaneamente, a contribuição para a empresa em que estiver trabalhando. Qualquer tentativa de mudança na relação de poder nas organizações passará, necessariamente, pela compreensão da natureza das relações inconscientes pelas quais o indivíduo se liga à organização e pelas políticas que reforçam esta relação.

A obra junta os complexos referenciais teóricos do marxismo e da psicanálise, para explicar as relações de poder. Segundo os autores, a alienação do indivíduo se dá devido a uma profunda relação de dependência da organização, que é o simbólico da figura materna. A interpretação psicanalítica deste fenômeno é facilmente percebida nas organizações, com a implementação das políticas de remuneração e desenvolvimento de carreira, onde a maioria dos indivíduos assume uma postura de transferirem a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional para a Empresa que, em contrapartida, reforça esta postura de provedora, quando oferece benefícios (assistência médica, dentária, alimentação, bolsa de estudo, etc.) que além de fortalecerem a dependência, funcionam como alternativa de salário indireto, para fugir da alta tributação trabalhista (que no Brasil é bastante pesada) e de outros tributos, em função de classificações contábeis diferenciadas.

Apesar de concordar com o fato de que os fenômenos de poder, estudados na obra, ocorram no mundo corporativo, e também concordar com as abordagens escolhidas pelos autores para explicar tais fenômenos, no meu ponto de vista isto não pode e nem deve provocar uma visão pessimista da gestão de pessoas no mundo contemporâneo. A visão crítica permite que se perceba o grande desafio que os profissionais da administração, e de outras ciências humanas, têm de, partindo de um referencial teórico consistente, encontrar novas ferramentas e práticas que, por meio do autoconhecimento e do desenvolvimento pessoal, possibilitem ao SER HUMANO, sair da posição de RECURSO para a de ATOR desse processo histórico do qual faz parte.
Como acredito que isto é possível, tanto quanto ter no trabalho uma das fontes de prazer e de realização pessoal, busco nas minhas atividades profissionais e acadêmicas novas formas de desenvolver e gerir as pessoas dentro das organizações e também outras respostas para infindáveis perguntas. Será isto: ciência, arte, ou utopia?

Instrutora Denize Dutra

Consultora associada da LCM Treinamento Empresarial Ltda

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