Uma pessoa está atrasada para o trabalho; vê uma senhora bem velhinha atravessado a rua com um carrinho de feira. Começa a temer pela segurança dela, pois o sinal não ficará muito tempo fechado. A pessoa dirige-se à senhora e a ajuda na travessia, oferecendo-se para levar o carrinho dela ao outro lado da rua. Que tipo de racionalidade o levou a este ato? A racionalidade substantiva; um tipo de senso determinado de forma independente de suas expectativas de sucesso que caracteriza uma ação humana desinteressada na consecução de um resultado subsequente a ela; a ação se manifesta pelo mérito dos valores que a inspira, embasada em um elevado teor ético, orientado por um critério que transcende vantagem, proveito ou obrigação.
No dia seguinte, a prefeitura da cidade coloca um policial para tomar conta das ruas daquele bairro. O Guarda vê a velhinha novamente voltando das compras com seu carrinho, e a ajuda a atravessar a rua. Este tipo de racionalidade recebe o nome de racionalidade instrumental, e se caracteriza pelo grau de precisão no atingimento de objetivos, sendo portanto, fundamentada no cálculo e na relação custo/benefício. Neste tipo de racionalidade não se aprecia a qualidade das ações, mas a sua maior ou menor contribuição para atingir um objetivo estabelecido, não importando o conteúdo de tais ações. No caso apresentado, o policial ajudou a senhora a atravessar a rua, pois é sua obrigação como policial do bairro, independente se ele ache que a aquela senhora deveria ficar em casa e mandar alguém fazer as compras para ela, ou se ele aprecia a forma destemida que a idosa pessoa encara sua idade e suas obrigações.
Aparentemente a racionalidade substantiva parece ser mais nobre que instrumental, que soa um tanto maquiavélica; mas não é assim que estes dois sensos devem ser encarados. Apesar da racionalidade substantiva ser menos abundante no planeta, a sociedade não teria chegado a um razoável grau de desenvolvimento socioeconômico sem a racionalidade instrumental: sem organizar-se em grupos bem estruturados (família, escola, igreja, empresa, condomínio, clube social, instituições sociais, etc.), sem objetivos preestabelecidos, sem distribuição de tarefas, sem o controle dos resultados. Contudo, a atrofia da racionalidade substantiva causa alguns flagelos que corroem a sociedade moderna: falta de ética, egocentrismo, corrupção, crimes contra o patrimônio e contra a vida.
O contraditório nesta atrofia é que seria esperado, à medida que o homem evolui em sua instrumentalidade, vivendo em comunidade, trabalhando em equipe, assumindo papéis de alta responsabilidade (pai, chefe de família, gerente de pessoas, membro de comunidades assistenciais), e melhorando seus conhecimentos das ciências tecnológicas e sociais, que sua racionalidade substantiva aumentasse, tornando-o mais solidário, ético e comprometido com a sociedade onde vive. Então por que tanto apego à instrumentalidade de suas ações chegando a comportamentos extremos, inesperados e até mesmo incivilizados? O compositor e produtor musical brasileiro, Itamar Assumpção (1949-2003), em uma de suas letras que compõe a música Aprendiz de Feiticeiro, relata estas mazelas do ser humano, garantindo que embora seja afetado por comportamentos indesejáveis diariamente, estes não abalam sua convicção de seguir um caminho mais substantivo. Os versos dizem: “Aprendi que a ignorância, a sordidez e a ganância são lavas desse vulcão. Aprendi que essa fumaça a minha janela embaça, por fora, por dentro não!”.
Talvez a solução para que cada pessoa aumente o percentual de racionalidade substantiva em seus comportamentos e ações seja fazer como Itamar Assumpção propõe: Conhecer melhor a parte de dentro de suas janelas, que significa refletir sobre seus valores fundamentais, entender seus traços de personalidade mais marcantes, descobrir que estilo de atividade produtiva mais tem a ver com seus gostos e aspirações. Isto pode ser conseguido através de técnicas de autoconhecimento, cuja definição dada pela Stanford Encyclopedia of Philosophy é “conhecer o estado mental de alguém, incluindo suas crenças, desejos e sensações”.
Referências:
ASSUMPÇÃO, Itamar. Letra da música Aprendiz de Feiticeiro. Disponível em http://letras.mus.br/itamar-assumpcao/272401/. Consultado em 29/03/2015.
GASSENFERTH, Walter; MACHADO, Maria Augusta Soares; e KRAUSE, Walther. Gestão Empresarial em Gotas: Agite Depois de Ler. São Paulo: Cengage Learning, 2012.
Instrutor Walter Gassenferth
Consultor associado da LCM Treinamento Empresarial