Todo conhecimento ou ciência para ser aplicado de maneira apropriada e efetiva requer uma metodologia específica. O conceito de sustentabilidade é complexo, portanto, é de se esperar que sua abordagem nas corporações seja suportada por princípios claros e objetivos que, uma vez sendo explicitados pelas lideranças, permitam sua aceitação, internalização e cumprimento por todo o quadro de funcionários. Não é tarefa complicada acessar e conhecer tais princípios uma vez que, atualmente, há disponíveis no mercado grande quantidade de publicações discorrendo de maneira detalhada sobre o tema. Tomando emprestada a ideia síntese de John Elkington, autoridade mundial em Responsabilidade Corporativa e Desenvolvimento Sustentável, poderíamos afirmar que os líderes executivos das corporações que buscam a sustentabilidade deveriam “derramar sobre suas cabeças o Espírito do Zero”. Defeito zero, lixo zero, poluição zero e, em longo prazo, deslizes éticos zero.
Não poderíamos deixar de realçar, ademais, algo extremamente relevante e que está situado em patamar mais elevado, acima daquele onde se acham abrigados quaisquer princípios. Estamos falando de valores.
Dado que a Sustentabilidade, a exemplo da Democracia, dos Direitos Humanos, da Igualdade Racial ou de Gênero, é também um valor a ser legitimado pela sociedade, sua morada deve ser o coração do homem, e, no caso das corporações, tem que estar incrustada na alma de suas lideranças. Nada mais nocivo para uma empresa do que divulgar um discurso sofisticado dissociado da prática, descolado do comportamento quotidiano das lideranças. Melhor não fazê-lo porque as pessoas, hoje mais do que nunca, percebem isso e a consequência é o descrédito, a perda da confiança, males que se propagam como uma colônia de cupins a corroer as estruturas da corporação.
Cabe à Área de Recursos Humanos encontrar líderes que, mesmo falando pouco, infundem respeito e ganham a confiança daqueles que os cercam. Há pessoas cujo comportamento lembra Sustentabilidade, transpira ética.
Em resumo, estamos preocupados com a excessiva mercantilização (greenwashing) do termo sustentabilidade em detrimento da complexidade intrínseca deste conceito. A sabedoria popular alerta que o rabo não pode balançar o cachorro. É necessário equilibrar o marketing oportunista deste discurso com o real comprometimento das lideranças para o cumprimento dos princípios e metodologias que suportam a sustentabilidade no longo prazo.
Não colocar o lucro antes das vidas e lembrar que, se o dinheiro pode comprar o trabalho das pessoas, só os líderes imbuídos de intenções sinceras, capazes de construir vínculos empáticos, conseguem conquistar os corações dos empregados. É exatamente isso que as pessoas estão procurando e que o mundo corporativo está mais necessitando.
A título de contribuição, para consulta de leitores interessados estamos incluindo ao final deste post dois anexos, cujos conteúdos se enquadram perfeitamente na essência daquilo que pretendemos difundir, pois representam autênticas pérolas da Humanidade, escritas por heróis de batalhas perdidas, cuja grandeza foi julgada e merecidamente reconhecida pela História.
O primeiro anexo é de autoria de um líder índio da tribo Suquamish e trata-se de mensagem enviada em 1855 ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. Circulou na internet como “Carta do Cacique Seattle”.
O segundo anexo, este bem menos conhecido, é a carta enviada por Spartacus ao Senado de Roma-transcrição dos trechos mais significativos- usando como portador o único sobrevivente de uma das muitas legiões/coortes destroçadas pelo seu lendário exército de escravos.
ANEXO 1
Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou esta carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. Faz mais de um século e meio. Mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade. A carta:
“O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.
Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exauri-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d’água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.”
Disponível em http://www.ufpa.br/permacultura/carta_cacique.htm
ANEXO 2
Trechos da Carta de Spartacus ao Senado de Roma (ano 71 a.c)
A seguir o diálogo entre Spartacus e o único sobrevivente de Legião (Terceira Coorte) destroçada pelo exército de escravos:
– Quando se aproximaram de onde eu estava vi que eram gladiadores, mas o chefe do grupo era trácio. Tinha o nariz quebrado, olhos escuros que olhavam fixamente sem piscar…
– Romano, você é cidadão?
O soldado disse-lhe que era.
– Vou lhe dar uma mensagem. Leve-a ao nobre Senado. Transmita-a como estou lhe dando.
Diga-lhes que somos escravos: o que eles chamam de instrumentum vocale – ferramenta com voz.
“O Mundo está cansado do Senado e da Roma podres. Cansado da riqueza e do esplendor que extraíram do nosso sangue e de nossos ossos. Cansado do zunir do chicote, a única canção que os nobres romanos conhecem. No começo todos os homens eram iguais, viviam em paz e partilhavam tudo o que tinham. Mas agora há duas espécies de homens: os senhores e os escravos.
Somos muito melhores do que vocês e tudo o que há de bom na humanidade nos pertence. Estimamos nossas mulheres, ficamos e lutamos ao lado delas. Vocês transformam suas mulheres em prostitutas e as nossas em gado. Choramos quando nossos filhos são arrancados do nosso lado e os escondemos entre as ovelhas para que possamos tê-los conosco um pouco mais de tempo. Vocês criam seus filhos como se fossem gado, têm filhos com nossas mulheres e os vendem no mercado de escravos pela melhor oferta. Transformam homens em cães e os mandam à arena para se estraçalharem como divertimento, enquanto suas nobres mulheres romanas os veem digladiar-se até a morte afagando seus cãezinhos no colo, dando-lhes guloseimas. Que bando de loucos são vocês e que imundície fizeram da vida! Vocês transformaram em zombaria o sonho de todos os homens… Seus cidadãos vivem à custa do governo e passam os dias nos circos e na arena.
Transformaram a vida humana em caricatura e roubaram toda a sua valia… Mandam criancinhas para as minas e as levam à morte em poucos meses… Construíram toda a sua grandeza roubando o mundo inteiro. Diga ao Senado que isto acabou. Mandem suas legiões contra nós e as destruiremos como fizemos com esta… Quando a justiça for feita, construiremos cidades melhores, limpas, bonitas, sem muros, onde a humanidade possa viver em paz e feliz”.
Esta é a mensagem para o Senado. Leve-a e diga-lhes que é enviada por um escravo chamado Spartacus.
Fonte: SPARTACUS. Fast, Howard; tradução de José Sanz- Rio de Janeiro, Ed. Best Bolso, 2007
por Ciro Mendonça