Parte 3 – Transferência de riqueza para o futuro e a boa governança corporativa

Em última instância, a única transferência de riqueza para o futuro possível, é mesmo ter filhos, como no caso das sociedades tribais. Porém, nas nossas sociedades complexas realizamos isto indiretamente por meio de diversos mecanismos, instrumentos financeiros e instituições.

As aposentadorias providas pelo estado, como no caso do INSS brasileiro, por exemplo, vistas de forma simplificada são sistemas “take from Peter to pay Paul”. Isto é, quem está trabalhando hoje desconta um percentual do salário para a previdência pública. Este valor é utilizado para pagar as aposentadorias atuais. Ou seja, os recursos de cada contribuinte não são individualizados e aplicados produtivamente para aumentar o tamanho do “bolo” econômico para que haja mais recursos para sustenta-los na futura inatividade.

Os problemas desses sistemas de previdência são óbvios. O primeiro é que os valores e tempo de contribuição foram calculados com base na expectativa de vida na época em que foram fixadas as regras do sistema. Por exemplo, se na ocasião a expectativa de vida fosse 67 anos, poderia ser razoável fixar a idade de aposentadoria em 60/mulher e 65/homem com tempo mínimo de contribuição de 30 e 35 anos, respectivamente, pois um homem que se aposentava aos 65 teria que ser sustentado pela população economicamente ativa por apenas dois anos em média. Ora, se a expectativa de vida aumenta para 77 anos, este senhor terá que ser sustentado por 12 anos!

É concebível, neste sistema que uma mulher que comece contribuir aos 20 anos, se aposenta aos 50 e morra aos 80, seja sustentada na inatividade por exatamente o mesmo tempo que contribuiu. É fácil entender porque esta estrutura tende ao déficit quando há o aumento da expectativa de vida. Por isso não só é necessário aplicar um fator previdenciário desestimulando aposentadorias por tempo de contribuição bem como é premente aumentar este tempo e a idade de aposentadoria à medida cresce a expectativa de vida e a qualidade da saúde dos mais velhos.

O segundo problema decorre da demografia. Se a tendência é de mais gente entrar na idade economicamente ativa, há menos problema, pois o número dos que trabalham é maior dos que não trabalham. Porém, se a proporção de inativos (jovens e aposentados) cresce em relação `população economicamente ativa e contribuinte, o sistema tende ao déficit, e quando o grosso dos inativos são idosos que não mais ingressarão a força de trabalho, o problema é crítico. O Brasil estará nesta trilha se não houver mudança de curso logo.

Ano passado, Fabio Giambiagi[1] escreveu uma série de artigos no Valor Econômico sobre a evolução da demografia brasileira e de suas implicações para previdência. Seus principais pontos para nossa discussão são:

  • Em 2010, a idade mediana na América do Sul era de 28 anos, inferior as da América do Norte e Europa. Em 2050, prevê-se que será de 42 anos idêntica a da América do Norte e mais próxima dos 47 anos na Europa. Portanto, o envelhecimento de nossa população se dá em ritmo muito mais veloz do que nos países do norte.
  • Em 2010 a distribuição etária da população brasileira era a seguinte: 25,6% entre 0-14 anos; 64,4% entre 15-59 e 13,7% acima de 60 anos. Em 2050, espera-se que esses percentuais sejam 13,1%, 57,1% e 29,8%, respectivamente. Teremos mais do que 2 idosos para cada jovem!
  • A população projetada em 2010 para 2050 era de 190,8 milhões bem inferior aquela estimada para a mesma década em 2004 (259,3 milhões). A queda se deu pela diminuição da taxa de fertilidade da mulher implicando em menor crescimento populacional. De 1940-80 a população brasileira cresceu à taxa de 2,81%. Esta caiu para 1,59% na primeira década do milênio e para 0,90% na década atual. Portanto, os nascimentos de hoje são insuficientes para repor a população e espera-se que a quantidade de brasileiros comece a cair a partir de 2030.
  • Projeta-se uma população de 14,1 milhões com mais de 80 anos para 2060. Isso significa que serão muitos velhos para sustentar e mais gastos com saúde para esta faixa etária. Hoje, quem chega aos 60 tem expectativa de viver até 82; aos 70, até 85 e aos 80 até 89!
  • Outra evidência é não contaremos mais com “bônus demográficos” para jorrar mão-de-obra no mercado de trabalho. Já jogamos o nosso fora com um capital humano de baixa qualificação.

As conclusões fundamentais que decorrem deste panorama são:

O Brasil precisa crescer bastante para ter um “bolo” econômico maior para dividir. Caso contrário, ou teremos a perspectiva de manutenção da divisão de renda profundamente desigual, como temos hoje, ou uma divisão mais igualitária na qual sobra muito pouco para cada um.

Sem bônus demográfico, continuar crescendo, depende de ganhos de produtividade ou de importação de mão de obra qualificada. No primeiro caso precisamos educar nossa população com qualidade, inclusive recuperar quem já está trabalhando, pois não dá para esperar por quem só entrará no mercado de trabalho daqui a 20 anos, assumindo que até lá, estes terão melhor qualificação. No segundo caso, nossas condições econômicas não atraem a imigração, muito menos de gente qualificada. A importação de m-d-o desqualificada agravará nossos problemas.

É premente que se discuta e se aumente a idade de aposentadoria e o tempo de contribuição por mais que o tema encontre enorme resistência e políticos de todas as vertentes tenham dificuldade de conduzi-la.  Se não tomadas a tempo, pode ocorrer o que vemos na Grécia – reduções nas aposentadorias, a não ser que a opção seja cobrir o déficit promovendo maior taxação da população economicamente ativa, isto é, cobrar a conta das futuras gerações.

Igualmente fundamental é alterar a definição de “idoso”. Se as pessoas estão chegando aos 70 com boa saúde física e mental e mobilidade, não há motivo para que sejam subsidiadas por meio de entretenimento mais barato e privilégios de prioridade em filas de banco e supermercados aos 60 anos! Devem e podem continuar trabalhando por mais tempo. Caso contrário as futuras gerações estarão sustentando uma “velharada” serelepe.

Também é necessário que ocorram profundas mudanças na cultura de trabalho e contratação. Se as pessoas trabalharão por mais anos, a quantidade de postos de trabalho terá que aumentar para acomodar um contingente maior de gente ocupada. As empresas terão que encontrar maneiras custo-efetivas de absorver mão-de-obra 45+ o que implica em desafios maiores, pois a redução no custo da massa salarial não poderá ser feito só contratando gente mais nova (salários e seguro saúde menores) para o mesmo trabalho. Terão que aumentar a produtividade e repensar a forma de alocação de funções levando em conta o fator idade.

Nesse contexto é crítico repensar a legislação trabalhista possibilitando formas mais flexíveis de trabalho por meio de contratos individuais e part-time e todo o sistema de saúde precisa aumentar eficiência, qualidade de gastos e atitudes de medicina preventiva para que os gastos com uma população mais velha possam prover uma medicina moderna e humana, com qualidade a custos não proibitivos para o contribuinte e contratante de seguro saúde.

Para ter tudo isso e um padrão de vida melhor é necessário uma economia maior e mecanismos institucionais e de mercado que facilitem a transferência de riqueza para o futuro, a melhor alocação de recursos e distribuição de renda, assunto que trataremos no próximo blog.

[1] Fabio Giambiagi – Demografia I-XII artigos publicados em datas variadas no Valor Econômico utilizando estatísticas do IBGE e do Dept. of Economic and Social Affairs – World Population Prospects – ONU.

 

por Silvia Pereira

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