Resiliência é frequentemente referida por processos que explicam a “superação” de crises e adversidades em indivíduos, grupos e organizações (Yunes & Szymanski, 2001, Yunes, 2001, Tavares, 2001). Por tratar-se de um conceito relativamente novo no campo da Psicologia, a resiliência vem sendo bastante discutida do ponto de vista teórico e metodológico pela comunidade científica. Alguns estudiosos reconhecem a resiliência como um fenômeno comum e presente no desenvolvimento de qualquer ser humano (Masten, 2001), e outros enfatizam a necessidade de cautela no uso “naturalizado” do termo (Martineau, 1999; Yunes, 2001).

Na língua portuguesa, a palavra resiliência, aplicada às ciências sociais e humanas, vem sendo utilizada há poucos anos. Neste sentido, seu uso no Brasil ainda se restringe a um grupo bastante limitado de pessoas de alguns círculos acadêmicos.

Muitos profissionais da área da Psicologia, da Sociologia ou da Educação nunca tiveram contato com a palavra e desconhecem seu uso formal ou informal, bem como sua aplicação em qualquer das áreas da ciência. Por outro lado, profissionais das áreas da Engenharia, Ecologia e Física, e até mesmo da Odontologia, revelam certa familiaridade com a palavra, quando ela se refere à resistência de materiais. Nos diferentes países da Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, a palavra resiliência vem sendo utilizada com frequência, não só por profissionais das ciências sociais e humanas, mas também em referências da mídia a pessoas, lugares, ações e coisas em geral. Uma pesquisadora canadense (Martineau, 1999) cita, em seu importante trabalho de doutorado sobre resiliência, alguns exemplos das contradições deste uso coloquial, quando pessoas famosas são consideradas “resilientes” pela mídia tanto por tolerarem como por terminarem seus casamentos.

Pessoas ou coisas (desde pneus de carros até cremes para a pele) que tanto resistem como provocam mudanças também são descritas como “resilientes” nos comerciais de jornais ou TV. Em diálogos informais, as pessoas classificam-se como “resilientes” ou “não resilientes”, o que sugere uma “objetificação” ou “coisificação” do conceito.

Não obstante, no Brasil, a palavra resiliência e seus significados ainda permanecem como “ilustres desconhecidos” para a grande maioria das pessoas, enquanto nos países mencionados acima o termo é inclusive muito utilizado para referendar e direcionar programas políticos de ação social e educacional, o que aqui (talvez felizmente…) ainda parece estar longe de acontecer.

Para melhor exemplificar a diferença cultural nas prioridades de significado da palavra resiliência nas línguas portuguesa e inglesa, recorreu-se a dicionários atualizados. O dicionário de língua portuguesa de autoria de Ferreira (1999), conhecido como Novo Aurélio, diz que, na Física, resiliência “é a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica”. No sentido figurado, o mesmo dicionário aponta o termo como “resistência ao choque”. O dicionário de língua Inglesa Longman Dictionary of Contemporary English (1995) oferece duas definições de resiliência, sendo a primeira: “habilidade de voltar rapidamente para o seu usual estado de saúde ou de espírito depois de passar por doenças, dificuldades etc.: resiliência de carater”[1].

A segunda explicação para o termo encontrada no mesmo dicionário afirma que resiliência “é a habilidade de uma substância retornar à sua forma original quando a pressão é removida: flexibilidade”[2].

Como se pode ver, os dois dicionários apontam para conceituações semelhantes e ao mesmo tempo divergentes, pois no dicionário de português a referência é feita apenas à resiliência de materiais, e mesmo no sentido figurado, nada é especificamente claro para a compreensão do que seja a resiliência quando se trata de pessoas. Já o dicionário de inglês confirma a prioridade ou maior familiaridade para o uso do termo em fenômenos humanos, apontando em primeiro plano a definição neste sentido.

ORIGENS DO CONCEITO

A noção de resiliência vem sendo utilizada há muito tempo pela Física e Engenharia, sendo um   de seus precursores o cientista inglês Thomas Young, que, em 1807, considerando tensão e compressão, introduz pela primeira vez a noção de módulo de elasticidade.

Young descrevia experimentos sobre tensão e compressão de barras, buscando a relação entre a força que era aplicada num corpo e a deformação que esta força produzia. Esse cientista foi também o pioneiro na análise dos estresses trazidos pelo impacto, tendo elaborado um método para o cálculo dessas forças (Timosheibo, 1983). Silva Jr. (1972) denomina como resiliência de um material, correspondente a determinada solicitação, a energia de deformação máxima que ele é capaz de armazenar sem sofrer deformações permanentes. Dita de uma outra maneira, a resiliência refere-se à capacidade de um material absorver energia sem sofrer deformação plástica ou permanente. Nos materiais, portanto, o módulo de resiliência pode ser obtido em laboratório através de medições sucessivas ou da utilização de uma fórmula matemática que relaciona tensão e deformação e fornece com precisão a resiliência dos materiais. É importante ressaltar que diferentes materiais apresentam diferentes módulos de resiliência.

Maria Angela Mattar Yunes

Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua, Departamento de Educação e Ciências do Comportamento Fundação Universidade Federal do Rio Grande.

 


[1] Original em inglês: “the ability to return quickly to your usual health or state of mind after suffering an illness, difficulties etc.: resilience of character”.
[2] Original em inglês: “the ability of a substance to return to its former shape when pressure is removed: flexilibity”.

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