A Era da Informação bem que poderia ser chamada de Era da Revolução da Negociação, na opinião de William Ury, um dos maiores especialistas em negociação da atualidade. Segundo ele, o fato de a maioria das tomadas de decisão ser agora horizontal – em equipes de trabalho, forças-tarefas, joint ventures, alianças estratégicas, empresas fundidas ou adquiridas – faz com que tudo passe a depender de um processo contínuo de negociação e renegociação. E com um desafio extra: as várias culturas envolvidas trazidas à mesa pela globalização econômica.

Em entrevista exclusiva, Ury afirma que a forma predominante de negociação da Era da Informação deve ser a negociação cooperativa, de benefício mútuo. E, reconhecendo que a negociação veloz também predominará, ele projeta a “negociação 80% aprendizado”, que pressupõe a construção lenta de um relacionamento de confiança entre as partes. “Isso significa passar a primeira metade do tempo de negociação simplesmente construindo o relacionamento e explorando o problema, aprendendo um com o outro, em vez de começar com um preço ou uma posição”, comenta.

Segundo Ury, o lema do negociador bem-sucedido é simples: “Vá devagar para conseguir andar rápido”. Entre outras questões discutidas, o especialista de Harvard lembra algo muito importante a empresas e governos. A maior interdependência trazida pela globalização significa mais conflito.

O processo de negociação está sendo transformado pela Era da Informação?

Sim, eu diria que há uma revolução silenciosa acontecendo hoje no mundo, tanto nos negócios como na política e na família. É uma revolução na maneira de as pessoas tomarem decisões. À medida que as organizações piramidais se achatam em redes, a forma básica da tomada de decisão se desloca da vertical -pessoas de cima dando ordens para as de baixo, para a horizontal. O que é a tomada de decisões horizontal senão negociação? Na verdade, estamos vivendo na Era da Revolução da Negociação.

Isso explica por que a negociação está provocando interesse tão generalizado?

Claro. A fim de conseguir realizar suas tarefas hoje, as pessoas dependem de dezenas de indivíduos e organizações sobre os quais não possuem nenhum controle direto. Não podemos impor uma decisão; somos forçados a negociar. A nova realidade também se aplica até no meio militar, uma organização piramidal por excelência, em que as pessoas estão acostumadas a dar ordens e receber obediência imediata.

Numa série de palestras na Colômbia, fiquei surpreso ao receber uma solicitação do general Zuniga, chefe das Forças Armadas colombianas, para dar uma palestra a seus generais e almirantes. Eles necessitavam de treinamento em negociação, explicou o general, para obter dos políticos o orçamento que buscavam, dos líderes da guerrilha o cessar fogo que queriam e de seus colegas de farda a cooperação de que precisavam. Mesmo com os subordinados diretos, acrescentou ele, eles não conseguiam obter o desempenho que desejavam com meras ordens; precisavam negociar para conseguir as coisas.

Quais são os grandes desafios dos negociadores de hoje e amanhã?

Estão relacionados com o novo mundo empresarial, onde cada vez mais se realizam trabalhos em equipe e com forças-tarefas, empreendem-se negócios por meio de joint ventures e alianças estratégicas e faz-se empresas crescer com fusões e aquisições. Cada uma dessas formas organizacionais exige negociação contínua e renegociação, à medida que o ambiente dos negócios muda. Temos pouca escolha senão aprender a tomar nossas decisões em conjunto. Não é uma tarefa fácil; trata-se de um grande desafio. Mal sabemos fazer isso em grupos de seis pessoas, imagine em grupos de 600, 6 mil ou 6 milhões. Além disso, com o fenômeno da globalização, os negociadores das empresas enfrentam o desafio de fazer com que pessoas de diferentes culturas cheguem a um mesmo “sim”. Os antropólogos nos dizem que há mais de 6 mil culturas na face da Terra atualmente. Em resumo, talvez o desafio central dos negociadores do século XXI se traduza na seguinte questão: Como nos comunicarmos eficazmente e aprendermos a trabalhar juntos.

Qual é o efeito da globalização nas negociações políticas e econômicas?

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que maior interdependência significa mais conflito, e não menos. Como sabe qualquer pessoa que faz parte de uma família, as brigas entre os que têm dependência mútua são as mais problemáticas. Quanto mais interligadas se tornam as tribos do planeta, mais elas insistem na autodeterminação. Um exemplo claro é a integração europeia, que apenas intensificou a atividade dos movimentos separatistas – os bascos e os catalães na Espanha, os escoceses e os galeses na Grã-Bretanha, os bretões e os corsos na França e os lombardos na Itália. Já que podem compartilhar a prosperidade e a segurança da Grande Europa, pensam eles, por que precisam obedecer às ordens de Madri, Londres, Paris ou Roma?

À medida que a teia cresce, torna-se mais vulnerável ao conflito destrutivo. As brigas começam a afetar não só as partes imediatamente envolvidas, mas também pessoas muito distantes. A guerra do Oriente Médio de outubro de 1973 desencadeou uma crise mundial de petróleo. Em 1998, uma greve dos trabalhadores de uma única unidade da General Motors, em Flint, Michigan, forçou as fábricas de todos os Estados Unidos a demitir aproximadamente 146 mil funcionários e fez com que o crescimento econômico de todo o país caísse quase 1% em um período de seis meses. Tudo isso significa que nosso futuro político e econômico depende, mais do que nunca, de nossa capacidade de negociar.

Diante disso, muda a técnica de negociar?

Estão ocorrendo mudanças não só no que eu chamo de “quantidade de negociação”, mas também no estilo de negociar. Por tradição, a negociação tinha uma característica intrínseca de “ganha-perde”: era considerada como apenas outra forma de guerra. No entanto, as pessoas estão cada vez mais buscando métodos para chegar a soluções de benefício mútuo, o “ganha ganha”. Mesmo as maiores companhias do mundo estão descobrindo que precisam negociar de modo cooperativo. A General Motors formou uma aliança estratégica com sua concorrente Toyota; a IBM, com a Fujitsu. Os funcionários e a alta gerência estão aprendendo que, se não trabalharem juntos, nenhum dos dois consegue trabalhar. Para competir no mercado de hoje, você precisa cooperar, ou melhor, negociar de maneira cooperativa.

Em meu trabalho, tive muitas oportunidades de presenciar líderes sindicais inflexíveis e executivos céticos, por exemplo, gradualmente chegarem à compreensão de que a negociação de benefício mútuo pode levar a resultados sensivelmente melhores do que gritar uns com os outros e procurar derrotar o outro. Em vez de tentarem dividir um bolo econômico que está diminuindo com a intensificação da competição mundial, a alta gerência e os funcionários buscam aumentar o bolo com maneiras inovadoras de incrementar a produtividade e compartilhar os lucros. “O bom relacionamento -essa é a nossa vantagem competitiva”, disse um líder sindical anteriormente cético.

Mudou algo em seu modo de pensar desde que o senhor escreveu os livros Como Chegar ao Sim e Getting Past No?

Sim, a primeira coisa que me ocorre é a noção da importância do background cultural das pessoas em uma negociação. As premissas culturais que trazemos a uma negociação afetam tudo, desde a oportunidade certa e a natureza do relacionamento que criamos até o tipo de acordo a que chegamos. Para os norte-americanos, por exemplo, tempo é dinheiro. Talvez sejamos a cultura mais impaciente da Terra. Para grande parte do resto do mundo, contudo, tempo é relacionamento. É a oportunidade de formar os relacionamentos duradouros normalmente necessários para uma negociação produtiva.

O desafio para o negociador não é só entender a cultura do outro, mas também a sua. É comum não termos consciência de nossas características. Somos como peixes no oceano: não conseguimos enxergar a água, que é a cultura em que vivemos.

Quero citar o caso de uma empresa japonesa que, estando prestes a entrar numa joint venture com uma empresa norte-americana, passou uma semana inteira treinando sua equipe para que desenvolvesse uma sensibilidade cultural antes de enviá-la aos Estados Unidos. O interessante é que o foco principal do treinamento não foi a cultura norte-americana, e sim a japonesa. Os japoneses precisavam entender suas características para que, então, pudessem entender melhor como os norte-americanos os veriam, o que, por sua vez, lhes permitiria ser mais sensíveis, no bom sentido, a seus novos parceiros.

A velocidade parece ser a premissa básica da Era da Informação. Como isso afeta a negociação, já que as pessoas e as empresas estão menos dispostas a esperar?

O tempo afeta enormemente a negociação. A necessidade de velocidade significa, paradoxalmente, que precisamos ir mais devagar. A negociação leva tempo. A formação de relacionamentos de confiança leva tempo. É possível negociar rápido e com eficiência, mas somente se você já tiver investido antes numa relação de confiança. Tomemos como exemplo uma negociação que ocorreu entre o famoso investidor norte americano Warren Buffet e Thomas Murphy, presidente da Capital Cities. Buffet e Murphy estavam planejando, com o dinheiro de Buffet e a administração de Murphy, adquirir a rede de televisão ABC. Eles precisavam chegar a um acordo quanto ao volume e preço das ações que Buffet ia receber. Era uma negociação de US$ 500 milhões feita por telefone. Buffet perguntou a Murphy se ele já havia pensado no assunto. Murphy passou a bola para Buffet, dizendo que provavelmente ele (Buffet) tinha uma ideia melhor. Buffet fez uma proposta e Murphy a aceitou. Tudo em 15 segundos. Foi extremamente rápido e o negócio mostrou-se muito lucrativo para ambas as partes. Funcionou porque os dois homens já haviam estabelecido anteriormente um relacionamento de confiança; assim, não importava quem fizesse a proposta -ambos sabiam que podiam confiar no outro.

Da mesma forma que investimos continuamente em novos processos e reestruturações de negócios a fim de obter mais eficiência, também precisamos investir em relacionamentos. O lema do negociador bem-sucedido é: “Vá devagar para conseguir andar rápido”. A propósito, a necessidade de velocidade também dá uma vantagem aos parceiros potenciais que cultivaram uma reputação de sinceridade e jogo limpo. As pessoas que têm pressa recorrem a eles em vez de a pessoas ou empresas de confiabilidade desconhecida. O patrimônio mais valioso do negociador é sua reputação.

Como a revolução digital está mudando os diferentes estágios do processo de negociação?

Se a negociação tradicional era 80% barganha, o novo tipo de negociação é 80% aprendizado. As melhores soluções surgem de um processo de aprendizado conjunto entre os parceiros que compartilham informações sobre o problema, sobre seus respectivos interesses e sobre soluções potencialmente criativas. O resultado final normalmente é algo que nenhuma das partes imaginara antes de entrar no processo de negociação. Isso significa passar a primeira metade do tempo de negociação simplesmente construindo o relacionamento e explorando o problema, aprendendo um com o outro. Em vez de começar com um preço ou uma posição, deixe para discutir isso na segunda parte do processo de negociação.

A revolução digital está despersonalizando o processo de negociação?

É uma faca de dois gumes. Com os processos eletrônicos de comunicação, talvez haja menos contato cara a cara. Porém, o e-mail, por exemplo, permite que as pessoas se comuniquem em profundidade vencendo barreiras hierárquicas – na verdade, através de todos os tipos de fronteiras. Nesse sentido, a comunicação eletrônica nos possibilita personalizar novamente os relacionamentos que antes eram efetuados somente por intermediários.

Aqui existe um paradoxo, perceptível na frase de John Naisbitt (autor dos livros Megatendências e Paradoxo Global): “high tech, high touch” (alta tecnologia, alto contato).  Quanto mais usamos meios eletrônicos de comunicação, mais precisamos investir em relacionamentos pessoais e prestar atenção às pessoas com quem estamos lidando. Afinal, não estamos negociando com computadores, e sim com seres humanos de carne e osso, que possuem emoções, percepções diferentes de uma mesma situação, crenças e atitudes distintas, estilos de comunicação diferentes.

A despersonalização, por outro lado, tem uma vantagem. Ela pode nos permitir separar melhor a pessoa do problema, para que possamos então nos concentrar melhor no problema que precisa ser resolvido.

Como é possível descobrir as verdadeiras intenções das pessoas quando se usam canais que limitam o contato pessoal?

Torna-se cada vez mais importante consultar outros que tenham feito negócio com essas pessoas. Quase todos possuem um histórico e uma reputação. Você pode, por exemplo, consultar pessoas de sua empresa que já lidaram anteriormente com o mesmo cliente. Ou pode sair e falar com fornecedores, banqueiros, advogados e outros profissionais que possam conhecer a pessoa. As empresas precisam acumular sistematicamente informações sobre os interesses de seus clientes e parceiros potenciais.

Torna-se importante também fazer o máximo de perguntas possível. Não se baseie apenas nos cargos deles. Vá além. Diga-lhes que gostaria de satisfazer suas necessidades, mas que, para tanto, precisa entender melhor essas necessidades. Ou tente fazer um resumo do que você realmente sabe serem tais necessidades e prioridades e envie-o a eles para que façam as correções.

De que forma a utilização da mídia eletrônica pode afetar a criatividade durante o processo de negociação?

O uso da mídia eletrônica, como o e-mail, permite que muito mais pessoas com pontos de vista diferentes sejam consultadas sobre as decisões. Isso aumenta a possibilidade de soluções criativas. No futuro, espero que haja bancos de dados de soluções criativas de negociações para uma ampla gama de problemas, desde fusões e aquisições a negócios imobiliários. As pessoas poderão digitar certas palavras-chave e receber uma gama de possibilidades para considerar a estruturação da melhor solução.

Há programas de computador ainda não desenvolvidos que poderiam ajudar as partes a “aumentar o bolo” e atingir soluções ótimas, que maximizem o ganho disponível para ser dividido.

O processo de negociação está sendo automatizado? Há algum exemplo disso?

Agora e no futuro previsível, os seres humanos continuarão um componente vital das negociações. Eu não ouvi falar que a negociação já esteja sendo automatizada, mas as novas tecnologias criam todos os tipos de possibilidades, desde bancos de dados “negociando” informações até inteligência artificial para auxiliar negociadores em uma negociação difícil. Eu, pessoalmente, me interesso muito por essas possibilidades. O próximo passo além do treinamento é dar assistência oportuna às pessoas envolvidas nessas negociações.

Qual é sua opinião sobre a negociação por videoconferência e teleconferência?

A videoconferência e a teleconferência podem ser extremamente úteis para aumentar a comunicação entre pessoas de locais diferentes, mas ainda não substituem a interação cara a cara. Existe algo que as pessoas apreendem na interação cara a cara, quando podem ver a linguagem corporal do outro e até sentir seu cheiro. É muito difícil estabelecer confiança a distância. A teleconferência, pela minha experiência, tende a funcionar melhor entre parceiros que já tenham construído um relacionamento à antiga, cara a cara. A comunicação por meio eletrônico pode funcionar bem para as fases intermediárias da negociação, quando as pessoas estão explorando os diferentes tópicos, trocando informações e buscando soluções criativas. Para as fases iniciais, do estabelecimento da confiança, e para as fases posteriores, da tomada de decisões, deve-se preferir o contato cara a cara.

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