Para o Aurélio, curinga é a “carta de baralho, que, em certos jogos, muda de valor segundo a combinação que o jogador tem na mão”.
Há certas palavras que, como as cartas, mudam constantemente de “valor”. Basta alterar a situação ou o contexto, e o sentido será outro, bem diferente do anterior.
Por exemplo: os substantivos coisa, parada, negócio e troço.
Repare quantos significados diferentes podem ser atribuídos a cada um desses substantivos, nos exemplos:
- Apanha para mim aquele troço na estante.
- Tenho uma parada para você mais tarde.
- Preciso te contar uma coisa sobre o Motta.
- Alguém sabe como este negócio funciona?
Não precisa ser nenhum sabe-tudo para perceber que clareza e precisão de sentido passaram bem longe dessas frases.
Fato semelhante também ocorre com certos verbos muito usados em textos empresariais. São os famosos curingões: ter, dar, fazer, pôr, dizer, ver.
Repare:
- Ter boa reputação.
- Ter o respeito do público.
- Ter dor de cabeça.
- Ter dez metros.
- Ter cinquenta quilos.
- Ter quatro pacotes no porta-malas do carro.
- Dar a notícia em primeira-mão.
- Dar R$ 23,00 por um sanduíche de mortadela.
- Dar um terreno por dois apartamentos.
- Dar a vida pela empresa.
- Fazer o percurso em três horas.
- Fazer jornalismo na PUC.
- Fazer o jantar em poucos minutos.
- Fazer uma carta em minutos.
- Fazer bonecos de barro.
- Fazer uma vala.
- Pôr uma palavra na frase.
- Pôr uma sonda na bexiga.
- Pôr o dinheiro no banco.
- Pôr a frase na voz passiva.
- Pôr a roupa no armário.
- Dizer poemas.
- Dizer a verdade.
- Dizer exemplos.
- Dizer o fim da novela das oito.
- Dizer o nome dos candidatos aprovados no concurso.
- Ver a beleza dos quadros de Goia.
- Ver os erros do texto.
- Ver o eclipse da lua.
- Ver os menores detalhes.
- Ver pela fresta da porta.
Substituir verbos de sentido genérico por outros de sentido específico é tornar a frase clara e a informação precisa, contextualizando melhor o leitor.
Ainda há um grupo de curingas que “redator de carteirinha” não usa. Eles são próprios de textos mais “nobres” e rebuscados. Aparecem, por exemplo, em relatórios técnicos e administrativos, manuais de todo tipo, normas, teses e monografias, textos jurídicosem geral. Juízes, promotores, ministros do STF, deputados, senadores, secretários municipais e estaduais, todos adoram encaixar um destes “curinguinhas” em seus textos.
São os malditos: mesmo, próprio, citado, referido, mencionado, em questão, supracitado, entre outros.
Às vezes, eles são absolutamente dispensáveis. Basta simplesmente retirá-los da frase. Outras vezes, a simples mudança na ordem das palavras elimina os curingas e imprime a clareza e a objetividade desejadas. Uma terceira saída é substituí-los por sinônimos, hiperônimos, pronomes, siglas, numerais e advérbios.
Repare:
- Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo se encontra no andar.
- Duas ambulâncias do Corpo de Bombeiros chocaram-se violentamente. O motorista de uma das mesmas alegou que o feio na hora falhou.
- A Varig informou aos passageiros do voo 2345 que o embarque do mesmo, quando autorizado, seria feito pelo portão nove.
- A mãe e a tia desmaiaram durante o enterro das irmãs Célia e Ana Cristina. As mesmas foram socorridas no cemitério por populares.
- O secretário disse que pretende disponibilizar as normas e procedimentos, para que os funcionários tenham acesso às mesmas sempre que os próprios julgarem necessário.
- Há muitos argentinos em Foz do Iguaçu. Para hospedar os mesmos, a rede hoteleira teve de se aparelhar.
- O porta-voz da Presidência da República quer processar o JORNAL DO BRASIL por difamação. Agora, caberá ao mesmo defender-se da acusação.
- O deputado João da Silva foi convidado para assumir a Secretaria Geral do Ministério da Cultural. Mas o mesmo ainda não respondeu ao convite.
Instrutor Carlos Alberto Motta
Consultor associado da LCM Treinamento Empresarial Ltda