“O que é bom para a colmeia é bom para a abelha, mas nem tudo que é bom para a abelha é bom para a colmeia”

Marco Aurélio – Meditações

 

INTRODUÇÃO

Todo mundo sonha em viver confortavelmente em uma cidade bonita e acolhedora. A disputa pelos espaços nobres de cidades como Rio de Janeiro, Paris, Nova York ou Londres levou o preço dos imóveis para a estratosfera. Nossa intenção neste artigo é procurar identificar e classificar, sob a ótica de suas origens, as características e atributos que conferem às cidades toda essa aura de magia, uma espécie de rótulo ou imã, capaz de atrair as pessoas, sejam potenciais moradores ou turistas provenientes de todos os cantos do mundo.

O embaixador e ministro Roberto de Oliveira Campos costumava dizer que “alguns países são naturalmente ricos, porém, vocacionalmente pobres. Já outros, são naturalmente pobres, mas vocacionalmente ricos”. Acreditamos que esta reflexão seja válida também para as cidades e utilizaremos esta premissa para discorrer sobre o tema mencionado acima. Antes, entretanto, é oportuno lembrar que, até algumas décadas atrás, quando se falava em ecologia ou meio ambiente, o imaginário das pessoas deslocava-se para temas como florestas, biodiversidade, poluição de rios ou algo parecido. Acontece que a palavra ecologia deriva do prefixo grego “oikos” que significa casa, domicílio, habitat. Portanto, ecologia é o “estudo da casa”, ou seja, o ramo das ciências humanas que estuda a estrutura e o desenvolvimento das comunidades humanas em suas relações com o meio ambiente e sua consequente adaptação a ele, assim como novos aspectos que os processos tecnológicos ou os sistemas de organização social possam acarretar para as condições de vida do ser humano. Neste contexto naturalmente se inserem as cidades, que, progressivamente, se tornaram “a casa do homem”.

É importante realçar que até a Rio +10 – Conferência Mundial do Meio Ambiente sediada em Johanesburgo- as cidades eram vistas como problema, entretanto, a partir da Rio + 20 o enfoque mudou e as cidades passaram a ser consideradas como uma concentração de oportunidades , trabalho, educação, saúde, recreação e transporte.

POTENCIAL DAS AGLOMERAÇÕES NO EMPODERAMENTO DAS PESSOAS

O economista americano Edward Glaeser, professor da Universidade de Harvard é autor de um livro de sucesso intitulado Os Centros Urbanos: a Maior Invenção da Humanidade, em que se propõe a demolir a visão idílica do campo apontando os benefícios da vida nas grandes concentrações de gente das metrópoles. Glaeser desenvolveu argumentos ao mesmo tempo convincentes e polêmicos. Com base em dados estatísticos, busca comprovar que, sob diversos aspectos essenciais para a existência humana, não há lugar melhor para viver do que em uma grande cidade, onde os mais variados talentos podem conviver e aprender entre si, potencializando ao máximo sua capacidade criativa e inovadora. Em ambientes de grandes aglomerações as pessoas aumentam, exponencialmente, as chances de ascender, ganhar mais e ter acesso ao que há de mais avançado.

Ao desenvolver sua tese, recorre a História para lembrar exemplos significativos de como grandes concentrações demográficas levaram a humanidade a progredir.

O primeiro é Atenas, que se tornou o berço da filosofia ocidental, da tragédia e da história justamente porque artistas e acadêmicos de todo o mundo mediterrâneo convergiram para um único espaço que lhes proporcionou a convivência e a liberdade para compartilharem ideias.

O segundo é a Florença do século XV, cuja efervescência reuniu o talento de arquitetos, escultores e pintores como Brunelleschi, Donatello, Masaccio e tantos outros, cujas obras geniais levaram à revolução do Renascimento.

Por último, o terceiro exemplo, mais recente, é a concentração industrial/tecnológica que se deu a partir dos anos 90 no Vale do Silício, que abrange várias cidades da Califórnia-USA, notadamente Palo Alto e Santa Clara, onde vários jovens empreendedores fincaram seus escritórios  para usufruir e se beneficiar da sinergia decorrente da intensa rede de contatos que lá brotou.

Em síntese, para o autor, é nos formigueiros humanos que está a riqueza.

Não podemos deixar de lembrar que esta linha de raciocínio parece ir ao encontro da tese defendida por antropólogos segundo a qual o Homo Sapiens, embora fisicamente mais frágil que o Neanderthal, deve sua sobrevivência à capacidade comprovada de estabelecer redes de relação social que funcionaram como uma espécie de seguro de vida diante de situações de perigo, doenças e privações.

Atributos Naturais das Cidades

Certas cidades foram edificadas em áreas geográficas privilegiadas pela Natureza e, nesse sentido, levam enorme vantagem sobre as demais. A cidade do Rio de Janeiro é um exemplo clássico. Possui um litoral exuberante, uma bela lagoa e as maiores florestas urbanas do mundo além de pedras monumentais (Pão de Açúcar, Corcovado, Dois Irmãos e Gávea) que parecem emergir do mar e que, inexoravelmente, despertam o hedonismo de qualquer mortal que com elas se deparem, a exemplo do que ocorreu ao cosmógrafo florentino Américo Vespúcio que, em janeiro de 1502, a bordo de uma das três caravelas que compunham a frota de Gonçalo Coelho, chegou a um local esplendoroso, uma ampla “boca de mar”, cercada de vastas montanhas recobertas de matas luxuriantes. O escritor Eduardo Bueno, em seu livro “Náufragos, Traficantes e Degredados” relata que “um ano mais tarde, em sua segunda viagem ao Brasil, Vespúcio voltaria ao local que os nativos chamavam de Guanabara e ficou tão extasiado com sua beleza quanto da primeira vez. Em carta enviada ao chefe Lorenzo de Medice (Mundus Novus/1502) Vespúcio registrou:

“Algumas vezes me extasiei com os odores das árvores e das flores… e o que direi da quantidade de pássaros, das cores de suas plumagens e cantos, quantos são e de quanta beleza? Não quero me estender nisto, pois duvido que me deem crédito. Em verdade, se existe um paraíso localizado em alguma parte da Terra, julgo que não dista muito desta região”.

Para não ficarmos apenas no Rio de Janeiro, podemos citar outras cidades edificadas em belas regiões. Tal é o caso de Belo Horizonte, cuja topografia e relevo acidentados fazem jus ao nome. Há outras cidades menos conhecidas, mas igualmente ricas em belezas naturais, como Palmas, situada numa planície, cortada por vários cursos d’água com destaque para o rio Tocantins e delimitada pelas Serras do Carmo e do Lajeado compondo um relevo bastante agradável aos olhos.

Seriam, então, estes notáveis atributos suficientes o bastante para caracterizar estas cidades como sustentáveis? Absolutamente, não.

Vamos agora discorrer sobre outros predicados/atributos essenciais, que não decorrem de simples dádiva da Natureza, mas da inventividade, da ação de planejamento e engenharia do homem, constituindo-se em infraestruturas e ativos valiosos construídos ao longo do tempo, alguns preservados e até resgatados de séculos passados. Devemos, porém, antecipar a dificuldade de tratá-los de forma isolada, tamanha a intensidade natural de sua inter-relação.

Atributos Planejados e Construídos das Cidades

Quais seriam, então, os ingredientes fundamentais, os atributos básicos das cidades que, afora os naturais, conferem qualidade de vida aos seus moradores?

Vamos listá-los e detalhá-los com algumas observações.

Infraestrutura: saneamento básico, o que compreende esgotamento sanitário, abastecimento d’água, gestão do lixo e manejo de águas pluviais; comunicações e suprimento de energia, tudo isso com qualidade e confiabilidade aceitáveis.

Planejamento Urbano/Urbanismo

Balanceamento entre Densidade Demográfica e Densidade Econômica

Concentração das Funcionalidades Urbanas – comércio, bancos, escritórios, indústrias, escolas, creches, hospitais, clubes, teatros, restaurantes, cinemas – em áreas próximas às residências para reduzir o deslocamento diário das pessoas utilizando automóveis.

Cabe aqui uma reflexão acerca do embate de duas escolas de urbanistas. A primeira liderada pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier – que teria influenciado Oscar Niemeyer- defendia que numa cidade funcional, cada função deveria estar segregada em determinada área: morar, trabalhar, estudar, recrear, circular. Os espaços de circulação seriam ocupados pelos automóveis. Esse modelo espalhou-se pelo mundo e no Brasil, o exemplo marcante é Brasília que surgiu no início dos anos 60 como símbolo de cidade moderna. Naquela época o corpo humano do morador do DF era jocosamente descrito como “cabeça, tronco e rodas”.

A segunda escola de urbanistas ganhou corpo, mormente no Brasil, a partir do final do século passado e defende em contraposição à primeira, o adensamento das cidades para “evitar o movimento pendular diário e reduzir engarrafamentos e a superlotação nos transportes urbanos, além de fazer render os investimentos em infraestrutura”. Essa escola vai ao encontro das premissas presentes no livro de Glaeser, que, inclusive, defende com entusiasmo a construção dos arranha-céus.

Nosso posicionamento diante dessa disputa (adensamento x espalhamento) é de cautela, pois há um limite para o modelo proposto por Glaeser, que soa como música aos ouvidos das construtoras ávidas em lucrar com a especulação imobiliária irracional. Importante realçar, portanto, que qualquer infraestrutura levada ao limite acaba por se exaurir, impossibilitando o acréscimo de novos usuários e degradando a qualidade dos serviços já prestados. Ademais, a manutenção e, principalmente, a expansão de infraestruturas em áreas adensadas é particularmente caríssima, quando não impossível. No que concerne aos arranha-céus, muitos foram construídos em áreas impróprias e sem regulamentação alguma, não raro na orla das cidades, projetando suas sombras na areia das praias e impedindo que os banhistas tomem sol nas melhores horas da manhã.

MOBILIDADE

Esta é a questão tratada em todas as mídias e nas conferências sobre cidades sustentáveis que reúnem autoridades e especialistas do tema, pois representa o ofensor maior da qualidade de vida dos que vivem nos grandes centros urbanos. Como equacionar a locomoção diária em cidades que têm milhões de moradores e livrá-los do paradoxo do transporte que os imobiliza?

O arquiteto Jaime Lerner – ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná- é atualmente consultor das Nações Unidas para urbanismo por tratar-se de especialista consagrado internacionalmente. Lerner é um grande frasista e costuma dizer que “o automóvel é o cigarro do futuro” projetando, assim, as crescentes restrições que inexoravelmente serão aplicadas ao uso do transporte individual nas grandes cidades.

A seu ver, o sistema de transporte tem que ser pensado em rede integrando-se todos os modais existentes – trens, metrô, BRT’s, BRS’s, VLT’s, Hidrovias, bicicletas, skate, patins e até automóveis – ressaltando que a qualidade do sistema de transporte depende visceralmente dos detalhes das conexões.

Há no Brasil uma forte componente cultural quanto ao uso e posse do automóvel, que ainda é visto como sonho e objeto de desejo, símbolo inconteste da distinção de classes.

Felizmente, a mensagem que vem das nações desenvolvidas aponta o caminho contrário.

Walter Hook, urbanista americano que esteve no Brasil no ano passado, afirma que “há um claro abismo geracional nos EUA e demais países. Para os acima de 40 anos, ser bem-sucedido é dirigir um carro e ter uma casa no subúrbio. Para os mais jovens, entre 20 e 30 anos, o legal é ter um celular com muitos aplicativos, uma bicicleta e morar num bairro cheio de cafés e ciclovias”. Hook assinala que os EUA não têm mais indústria automobilística e cita a falência de Detroit – outrora Meca do automobilismo- como fato icônico da transformação estrutural da economia que está em curso. E prossegue em tom profético: “Agora as companhias mais ricas são a Microsoft, Google, Amazon e Apple. Elas querem funcionários inteligentes, felizes, jovens e baratos, que não precisam de carro próprio, mas têm boa qualidade de vida. Não se pode mais ficar rico vendendo carros. Economicamente, é a morte”.

Segundo os especialistas, a solução para a mobilidade está na integração dos diferentes modais existentes à luz das novas tecnologias disponíveis, bem como no balanceamento entre densidade demográfica e densidade econômica – funcionalidades urbanas integradas e próximas às residências.

Há três atores que podem interferir e melhorar o grau da mobilidade:

  • Governo => Planejamento urbano, investimento em transporte de massa e restrições ao uso do transporte individual – Zonas de Tráfego limitado-ZTL e eliminação de subsídios perversos ao carro e aos combustíveis fósseis.
  • Empresas => iniciativas de estímulo ao transporte coletivo e compartilhamento de automóveis, jornadas de trabalho flexíveis e home-office.
  • Usuário => deixar a zona de conforto e explorar as alternativas disponíveis de forma racional, incluindo até Active in Motion – bicicleta, skate, patins, caminhada.

Vale ressaltar que o aperfeiçoamento do planejamento e controle da mobilidade urbana está diretamente correlacionado ao aperfeiçoamento das instituições públicas cujos órgãos não podem continuar trabalhando como se fossem ilhas independentes e propondo soluções top-down. A conexão com os processos locais é essencial, uma vez que as associações de bairros e comunidades devem liderar o processo programático. Não podemos esquecer, também, o conceito de mobilidade social- algo que nem todo mundo quer- e a relevância que um sistema de transporte de massa integrado em rede representa para eliminar a “síndrome da cidade partida”.

Lerner não descarta nenhum tipo de modal e afirma que o automóvel não desaparecerá, ressalvando, porém, que mudará a forma pela qual as pessoas dele irão se apropriar, deixando de ser um objeto de desejo, sonho de consumo para se transformar em utility, mera prestação de serviço.

Afinal, país desenvolvido não é aquele que o pobre tem carro, mas aquele onde o rico anda de transporte coletivo.

MORADIAS

O consenso atual recomenda que a construção de novos conjuntos habitacionais seja estimulada em áreas economicamente densas, notadamente aqueles voltados para baixa renda. Segundo o arquiteto chileno Alejandro Aravena – ex-professor-visitante de Harvard e sócio da empresa Elemental – “Nos países ricos, quem tem mais renda e busca mais espaço tem disposição e disponibilidade para enfrentar a distância das oportunidades. Em países como os nossos, as pessoas pagam com tempo e qualidade de vida”.

Embora muita gente associe densidade aos arranha-céus, tal não é o modelo defendido por Aravena e, nesse sentido, ele representa um contraponto à argumentação de Glaeser.

Conforme o arquiteto chileno, “se você constrói habitações de baixa renda altas, há necessidade de dinheiro mensal para manutenção das áreas comuns, e não se pode esperar que as pessoas paguem por isso”. Construindo casas, ou então casas com mais um apartamento no topo, com acesso individual ao espaço público – sem escadas de uso comum ou elevador- a empresa de Aravena conseguiu uma densidade de setecentos habitantes por hectare, oito vezes a média de Santiago.

De uma forma ou outra, o processo de revitalização dos centros urbanos vem ocorrendo nas principais cidades do mundo com consequente enobrecimento dos espaços degradados e valorização imobiliária, o que tem provocado apreensão dos estudiosos de urbanismo pelo indesejável efeito da gentrificação, fenômeno responsável, muitas vezes, pelo despejo forçado de antigos moradores de baixa renda, que não conseguem arcar com os altos custos decorrentes da súbita valorização da região.

ÁREAS VERDES E ÁGUAS

Cidades sustentáveis necessitam de áreas verdes e corpos hídricos capazes de enriquecer a paisagem, atrair a biodiversidade e liberar a biofilia das pessoas e sua hipotética inclinação genética para amar a Natureza e as coisas vivas.

Há vários exemplos relevantes de intervenções urbanas voltadas para esta finalidade, visando à reduzir o stress das pessoas provocado pela dinâmica atual das cidades.  Dentre elas vale citar o projeto paisagístico e construção do Parque Suspenso High Line em Nova York, que impediu a demolição de uma linha férrea desativada no lado oeste de Manhattan.

No Rio de Janeiro cabe frisar a construção do Parque de Madureira, obra realizada pela Prefeitura e que demandou o remanejamento de um longo trecho de linhas de transmissão, bem como a desapropriação de muitos imóveis.

NÍVEIS REDUZIDOS DE POLUIÇÃO AMBIENTAL E SONORA

Estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade aponta que ao menos 4.655 pessoas morreram em decorrência da poluição do ar na capital paulista em 2011. O levantamento foi apresentado durante o seminário Mobilidade Urbana x Saúde Pública em São Paulo, no salão nobre da Câmara Municipal, no último dia 23/9/13. Isto significa que a poluição causada preponderantemente pela queima de combustíveis fósseis está matando três vezes mais que o trânsito nesta cidade.

Os índices de material particulado em suspensão registrados em todas a estações da Cetesb existentes no estado situam-se entre 20 e 25 μg/m³ (microgramas por metro cúbico), bem  acima do padrão de 10 microgramas por metro cúbico estabelecido como limite pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O estudo estabelece uma relação direta entre poluição e densidade populacional.

A poluição atmosférica foi responsável pela morte de dois milhões de pessoas no mundo em 2011, sendo 65% deste total na Ásia, mais de 200% acima dos números de uma década antes (800 mil).

A questão da poluição sonora gerada por maus hábitos ao dirigir ônibus, automóveis e motocicletas é considerada um dos problemas ambientais mais graves nos centros urbanos, principalmente naqueles com maior índice populacional. O ruído produzido por uma motocicleta pode alcançar 100dB (decibel), nível muito próximo do limiar da dor (130db).

MODELO TRIBUTÁRIO SUSTENTÁVEL

É tudo o que as cidades atualmente não dispõem, seja no contexto da legislação municipal, seja na esfera da federal. Por se tratar de assunto extremamente complexo lembramos apenas que na composição do Fundo de Participação dos Municípios (Transferências de Receita de Impostos da União), cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto dos Estados sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) é repassado aos municípios. Além disso, o Governo Federal tem estimulado a compra e uso de automóveis, respectivamente, pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados-IPI e subsídios embutidos no preço dos combustíveis fósseis. Oportuno lembrar que tal incentivo não se aplica à aquisição de carros elétricos.

Diante deste cenário onde preponderam os chamados “subsídios perversos” não é de se admirar que a frota de automóveis em circulação nas cidades venha crescendo de forma acelerada e agravando os problemas relatados nos itens anteriores.

SEGURANÇA

Embora nenhuma cidade esteja imune à violência, é dever do Estado garantir a segurança nos espaços públicos como requisito indispensável ao convívio afável e solidário. Nenhum espaço de uso privativo – condomínios de luxo, clubes, shopping centers- é capaz de substituir a riqueza do convívio nos espaços públicos. O sociólogo americano Richard Sennett em seu livro Juntos: os rituais, os prazeres e a política da cooperação, argumenta que a cidade deve ser planejada como um espaço para viabilizar encontros e vista não como um ajuntamento de “tribos”, mas como “uma convergência das diferenças” para reduzir as intolerâncias, sejam de natureza política, racial, religiosa, étnica ou sexual.

Urge, portanto, requalificar os espaços públicos para devolvê-los às pessoas em condições seguras e otimizadas de uso.

URBANIDADE

A escritora Rosiska Darcy de Oliveira, eleita este ano para a Academia Brasileira de Letras, em artigo publicado em 07.07.2012 declarou: “São as pessoas, não os decretos ou o planejamento dos gabinetes, que com os seus gestos e interações emprestam sua alma aos lugares. Um lugar não prescinde do jeito de viver da população que impregna de sentido um determinado espaço. Desse espírito deriva o espaço vivido, impalpável, mas perceptível que faz uma cidade acolhedora ou inóspita”.

Já na visão do urbanista Luiz Fernando Janot, “difundir um comportamento solidário em defesa da cidade e da cidadania é obrigação de qualquer pessoa civilizada. As pessoas não podem fazer vista grossa diante de atitudes que comprometem o espaço urbano e a qualidade de vida. Assim, a sociedade precisa assumir, o quanto antes, um comportamento uníssono e solidário em prol da valorização da urbanidade e do combate à selvageria praticada pelos costumeiros predadores urbanos”.

Relembrando a citação de Shakespeare, “What is the city, but the people”.

CONCLUSÕES

Diante de todas as considerações feitas no corpo deste artigo sobre a sustentabilidade das cidades, parece-nos oportuno transcrever na conclusão, trechos do belo livro de João do Rio, intitulado A Alma Encantadora das Ruas.

“Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua.

A rua é para os dicionários apenas um alinhado de fachadas por onde se anda nas povoações. Ora, a rua é mais do que isso, a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma! Em Benares ou em Amsterdão, em Londres ou Buenos Aires, sob os céus mais diversos, nos mais variados climas, a rua é a agasalhadora da miséria. Os desgraçados não se sentem de todo sem o auxílio dos deuses enquanto diante dos seus olhos uma rua abre para outra rua. A rua é o aplauso dos medíocres, dos infelizes, dos miseráveis da arte”.

 por Ciro Mendonça

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