Qual o Tipo Mais Moderno de Liderança?

Para responder a esta pergunta, primeiramente é necessário entender que liderança é a capacidade de influenciar pessoas; ou ainda, de acordo com Kim e Mauborgne (1992), “é a habilidade de inspirar confiança e apoio entre as pessoas de cuja competência e compromisso depende o desempenho”.

O ônibus velho e empoeirado encostou sem cerimônia na plataforma da rodoviária de La Pintana, trazendo no primeiro banco o barbudo e desajeitado Anselmo. Ele e outros estudantes, vindo de todas as partes das Américas, tinham um objetivo comum naquela pequena cidade do Chile: serem aperfeiçoados como missionários.

Os habitantes daquela cidade, com seus rostos de traços fortes, cabelos lisos, olhares calmos e bocas sorridentes, observavam a movimentação dos jovens cabeludos, naqueles idos dos anos 70.

Traziam pouca bagagem. O maior exagero talvez fosse um violão ou uma máquina fotográfica pendurada no pescoço de um deles.

Uma camionete levou-os ao sítio onde permaneceriam por três meses.

Já na sala do centro de treinamento, após serem recepcionados por uma equipe de instrutores, Anselmo e seus companheiros ouviram as primeiras instruções.

O tipo de liderança que alguém pode exercer está diretamente associado ao tipo de poder que ela possui. De acordo com Cecília Bergamini (2002), existem cinco tipos de poder que podem ser exercidos por alguém: O Poder Legítimo, que é aquele em que a autoridade foi delegada pelos constituintes de níveis mais altos em qualquer organização; o Poder de Recompensa, que se origina da possibilidade que o líder tem de recompensar o seguidor todas as vezes que este assim o merecer; o Poder Coercitivo, que funciona até certo ponto, mas que pode levar o seguidor a reagir pela resistência, pois este se submete à coerção para evitar punições; o Poder de Especialista, onde o seguidor está convencido de que seu líder tem algum conhecimento especial a respeito de como resolver um problema, dentro de uma ótica mais adequada; e, finalmente, o Poder de Referência, que tem sua eficácia porque o seguidor admira e se identifica com a pessoa do líder e com a causa que ele defende.

Basicamente foi lida a agenda do curso, os horários das refeições, das palestras e reflexões e as regras para os finais de semana, quando os missionários poderiam deixar a propriedade para passear, conhecer as redondezas, visitar amigos ou simplesmente fazer compras.

Em relação à alimentação, ficou estabelecido que a comida seria dividida de forma igualitária, a fim de preservar o sentido de comunidade e cristandade. Pontualidade e submissão também foram temas abordados naquele primeiro dia.

Eles também teriam que ajudar na limpeza, já que o número de ajudantes – dois – não era suficiente para os afazeres que a propriedade exigia.

Tudo era muito simples, mas organizado. Atividades individuais e em grupo, intercaladas com tempos livres para leitura e reflexão, estabeleceram uma rotina motivadora, de descobertas e crescimento. Quando a noite caía, era comum ver os estudantes escrevendo cartas.

Os finais de semana eram sempre aguardados com expectativa. Como tinham pouquíssimo dinheiro, qualquer incursão pelas redondezas sem o devido preparo exigia certa dose de esforço ou a frustração de um passeio malfadado. Geralmente andavam em pequenos grupos. Eram simpáticos e comunicativos e logo amealharam o carinho da população.

Com o desenrolar das semanas, foi-se tendo a nítida impressão de que o tempo havia parado naquele lugar. As incursões por La Pintana e cidades vizinhas pareciam durar poucos minutos. Mal colocavam os pés nas ruas asfaltadas, mal acostumavam os ouvidos ao burburinho e os olhos às cores dos mercados populares, era hora de tornar à vida de comunhão e oração.

Já quando estavam no sítio, o tempo fluía bem devagar, como um pequeno riacho que desce dos Andes. Deus parecia dizer: “Prestem bastante atenção a tudo o que irei ensinar aqui; sorvam cada detalhe com muita calma; não há pressa; reservei esse tempo para nos tornarmos mais íntimos. Vou prepará-los para enviá-los pelo mundo. Isso requer tempo e paciência”.

O frio – companheiro inseparável – parecia, em alguns momentos, querer detê-los. Na hora de levantar, lutas ferozes eram travadas no silêncio dos quartos e nas almas daqueles estudantes. Diariamente suplicavam ao Criador que mantivesse seus corações aquecidos e a chama do amor pelas vidas acesa e bem acesa. A plena convicção de que o mundo os aguardava para ouvir as boas novas parecia renovar o ânimo daqueles verdadeiros guerreiros, que se sentiam felizes e determinados a cumprir o que vieram fazer ali.

Vez por outra o sol dava o ar de sua graça, o que era motivo suficiente para que uma palestra ou outra atividade se desenvolvesse ao ar livre.

A propriedade, situada à uma hora de Santiago do Chile, permitia a visão da Cordilheira dos Andes, imagem que certamente jamais sairia da lembrança daqueles missionários.

O dia começava bem cedo no centro de treinamento. Anselmo, o único brasileiro do grupo, sempre tomava o café da manhã na mesa que ficava perto da janela.

Naquela manhã, repetiu a escolha, como de costume.

Após o café, um dos líderes conduziu uma breve, mas profunda reflexão sobre a humildade, citando trechos das Escrituras.

Um período de silêncio antecedeu a fala de um dos estudantes que, sob o impacto daquela palestra, dirigiu-se a todos meio sem jeito:

– Eu peguei um pedaço de pão sem que ninguém visse. Estava com fome.

O silêncio retornou ao recinto, sendo novamente interrompido por outro estudante que levantou a mão e também confessou:

– Peguei um pedaço de queijo. Foi um pedaço pequeno. Achei que não ia fazer falta.

Outras confissões se seguiram às primeiras. Várias infrações foram reveladas após a envolvente palestra do líder. Um levou uma maçã para comer no bosque, outro guardou um iogurte para tomar na cama, enquanto lia um livro. Enfim, várias concessões foram feitas sem o conhecimento da liderança e em detrimento do grupo.

Após a enxurrada de declarações surpreendentes, muitos olhavam para o chão. Os dirigentes fitavam demoradamente aqueles homens que estavam sendo preparados para serem enviados a todos os recantos da terra, em missões que certamente iriam requerer deles uma grande fé e talvez até a própria vida. Não se tratava de um grupo de adolescentes inconsequentes, mas homens feitos, cristãos experientes, alguns até casados.

O ar frio parecia pesado, difícil de ser inalado a plenos pulmões naquele momento.

– Como líderes, apreciamos e lamentamos suas confissões. – falou Jonas, tomando a palavra e levantando-se.

– Apreciamos, pois, confessar pecados, apesar de ser dever de qualquer cristão, é tarefa difícil e deve ser feita com sinceridade e arrependimento, o que parece ser o caso. Lamentamos, pois vocês quebraram as regras e merecem uma punição. Lei sem punição não é lei, mas conselho!

O canto dos passarinhos que vinha lá de fora parecia não penetrar o recinto naquele momento. Todos os ouvidos estavam surdos para aquelas escalas e frequências. Até o vento que arrastava as folhas aquietou-se, desapareceu.

– Deem-nos algum tempo. Precisamos pensar e orar sobre isso. – concluiu.

Após Jonas proferir estas palavras, os líderes que compunham a mesa de debates retiraram-se por aproximadamente quarenta minutos, findos os quais retornaram ao salão.

– Temos uma boa e uma má notícia para vocês – recomeçou Jonas, falando em nome da liderança da instituição.

– Os infratores terão de pagar por suas transgressões. Ao invés de terem o fim de semana livre, como sempre acontece, todos os que descumpriram regras terão que trabalhar no sítio no sábado e domingo.

Jonas fez uma pausa, como dando tempo para que os missionários pensassem no que tinha sido dito.

O silêncio era total. Continuou.

– Esta é a má notícia.

Lábios comprimidos pelo lamento que aperta corações não permitiam qualquer palavra, qualquer argumentação.

– A boa notícia – recomeçou mais uma vez Jonas -, bem, a boa notícia é que vamos pagar o preço por suas transgressões. Trabalharemos por vocês no sítio, para que todos possam desfrutar o sábado e domingo.

Houve um momento final de oração e todos deixaram o salão sem saber ao certo o que estava acontecendo.

Do último tipo de poder, o de Referência, deriva uma forma de liderar que não é moderna, uma vez que Jesus de Nazaré já se utilizava dela no início do primeiro milênio da era cristã, mas que os líderes parecem tê-la esquecido. É uma forma natural de arrebanhar seguidores: A Liderança Serva ou Servant Leadership. O nome a princípio engana, pois quem o lê é levado a crer que se trata de uma inversão de papéis, e que ser um servo do seguidor é a proposta deste tipo de liderança. Não é bem assim: O princípio deste modelo diz que um líder, para ser seguido, deve ter em sua forma de liderar, princípios, ideais e propostas que tenham valor para os seus seguidores, ou seja, que sejam de serventia aos interesses de seus liderados. Desta forma ele demonstra que sua visão de mundo, suas convicções e seus objetivos valem ser seguidos e alcançados.

O sábado chegou e com ele o alvoroço dos estudantes. Todos pareciam já ter seus destinos traçados para mais uma aventura chilena, naquele sábado levemente ensolarado: fazer compras, visitar amigos, conhecer novos lugares.

Todos pareciam animados.

De uma das janelas, Anselmo – já pronto para sair – observava o ir e vir dos líderes trabalhando.

– O que eles estão querendo nos ensinar? – perguntou para um companheiro que também observava a cena.

– Regras foram quebradas e desobedecidas e eles é que trabalham? Isso não é justo! – conjecturava o representante brasileiro.

Outro participante, que ia passando, se uniu aos dois para observar a atitude da liderança. Ficaram algum tempo observando aqueles sábios homens varrer as folhas, capinar o gramado e recolher o lixo, enquanto os colegas cruzavam os corredores animadamente rumo ao mundo cheio de possibilidades.

No coração dos três um único pensamento: aqueles homens eram verdadeiramente cristãos. Reproduziam – guardadas as devidas proporções – o mesmo exemplo prático do que Jesus fez por nós, assumindo o nosso lugar na cruz. Uma profunda lição de liderança, que estabelece o paradoxo entre dar e receber, ser e ter, servir e liderar.

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Sob a Ótica de Gestão de Pessoas

A forma pela qual o conceito de liderança tem sido utilizado deixa pouco espaço para que as pessoas possam exercer, em determinadas oportunidades, algum tipo de influência no sentido ascendente. Por outro lado, este tipo de liderança privilegia a implantação dos modelos de administração participativa, levando o seguidor a sentir cada vez mais o desejo de envolver-se na resolução dos problemas enfrentados pelo seu grupo. Trata-se, para ele, da oportunidade de atingir sua própria autorrealização, uma vez que os objetivos e ideais que seu líder persegue são de extrema serventia para os planos e aspirações do seguidor. Além disto, o Poder de Referência, que caracteriza este modelo de liderança, é exercido de forma muito fluida, sem conflitos ou necessidade de persuasão dos seguidores.

Diante das quebras de paradigmas em todos os campos da atividade humana, não é difícil perceber que os atuais modelos de lideranças não são mais adequados às gerações Y e Z, que buscam experiências intensas e na mesma velocidade com que aplicam na bolsa, compartilham fotos nas redes sociais, agendam viagens e pesquisam restaurantes. Os quatro primeiros poderes citados – Legítimo, de Recompensa, Coercitivo e de Especialista – simplesmente não encontram ressonância nestas gerações questionadoras e extremamente velozes e capazes. Apenas o poder de Referência, consubstanciado pela liderança serva, consegue sensibilizar a chamada “sociedade do espetáculo” (DEBORD, 1997), uma vez que buscam identificação. Vale frisar que o termo “sociedade do espetáculo” não tem nada de pejorativo; pelo contrário, a massificação do conteúdo digital – fotos, selfies, vídeos, músicas – alavancado pelas redes sociais, estabelece um novo paradigma de comunicação, produtividade e marketing. Neste bojo, novos modelos de negócio surgem a cada dia. E novos modelos sociais também. É exatamente neste vórtice – dinâmico, criativo, relativista e produtivo – que a liderança serva estabelece suas tênues e rarefeitas referências, que não amarram, não impedem o pulsar. O nomadismo cibernético que a internet proporciona demanda referências. A velocidade dos negócios, das notícias, das decisões, enfim, do mundo cibernético, e o relativismo peculiar dessa dinâmica sócio tecnológica requer referências. E também causas, na maioria planetárias, existenciais. Como um ciclone que mantém sua base ligada à terra para lhe dar sustentação, assim também é a dinâmica que se estabelece neste cenário pós-moderno.

Neste sentido, alguns questionamentos interessantes se estabelecem quando pensamos em liderança serva, ou poder de referência, como queiram. O primeiro deles seria sobre o resultado, a efetividade deste tipo de liderança.

Talvez o caso da Southwest Airlines expresse bem esse conceito. O advogado Herbert Kelleher, CEO da companhia, usou conceitos de liderança serva na empresa que ele criou juntamente com um de seus clientes de direito, o empresário Rollin King, num guardanapo em um restaurante em San Antonio, Texas. Era um conceito de administração e liderança diferentes dos padrões americanos. Durante seu mandato como CEO da Southwest, Kelleher criou uma cultura corporativa que fez a fama dos funcionários – conhecidos por cantarem canções populares durante os voos. Como resultado deste modelo, a empresa tem um turnover baixíssimo e nunca teve uma fatalidade sequer em voo. A Southwest Airlines é constantemente arrolada entre as cinco empresas mais admiradas da América na pesquisa anual da revista Fortune. Esta mesma revista já chamou Kelleher de o melhor CEO da América. Kelleher foi introduzido no US Business Hall of Fame em 2004.

Outro exemplo relevante é o do próprio Greenleaf, fundador do movimento moderno de da liderança serva e ex-CEO da At&T. Seus resultados como gestor apontam para um caminho, no mínimo, intrigante, face a este conceito tão filosófico e quase utópico de se liderar servindo.

Aqueles jovens missionários, com raras exceções, que foram buscar forças e sentido para continuar trilhando o árduo caminho das missões interculturais, não tiveram naquele momento o real entendimento do profundo conceito que lhes era apresentado.

Em suma, este parece ser o modelo de liderança do futuro, onde teremos o grande desafio de liderar cada vez mais pessoas, bem-informadas, e melhor preparadas para exercer suas funções que as gerações anteriores. E o mais interessante é que este modelo pode estar sintetizado nos ensinamentos e nas atitudes de um filho de carpinteiro, que viveu há mais de dois mil anos.

Bem, mas essa é outra história….

Referência Bibliográfica

  • AMARAL, Anselmo. A revolução da Toalha. Rio de Janeiro: Imprensa da Fé, 2012;
  • BERGAMINI, Cecília Whitaker. O Líder Eficaz. São Paulo: Editora Atlas, 2002;
  • DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Trad.: Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 1997.
  • GREENLEAF, Robert K. Searvant Leadership A Journey into the Nature of Legitimate Power and Greatness. New York, USA: Paulist Press, 2002;
  • KIM, A. K. e MAUBORGNE, R. A. Parables of Leadership. In: Harvard Business Review, p.123, 1992.

por Samir de Oliveira Ramos

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