Falar para jovens de 20 anos que, desde já, precisam aprender a investir para prover seu sustento em uma velhice que chegará daqui a 60 anos não é fácil. Mostrar que: (i) uma melhor alocação e gestão de riscos dos recursos de poupança; (ii) o perfil demográfico brasileiro; (iii) pulverização do capital das companhias, (iv) distribuição de riqueza, (v) sustentabilidade e (vi) competitividade do país são temas relacionados à governança corporativa, mais ainda. São vários raciocínios longos. Mas vamos tentar por etapas.

Parte 1 – As sociedades são sustentadas pela população economicamente ativa

Para falar desse tema, descreverei como se sustenta uma sociedade cuja estrutura econômica é muito simples – uma sociedade como, por exemplo, as dos índios Awá [1]. Suponho que este grupo tenha estrutura econômica semelhante ao de outras sociedades indígenas brasileiras, isto é, sustentam suas populações por meio de uma economia de subsistência simples, da caça e da coleta.

Nesta condição, vivem em perfeita harmonia com o meio ambiente, tirando dele apenas o que necessitam para sobreviver, quando o necessitam. Isso significa também, que estão completamente expostos à todas intempéries da natureza. Se esta lhes prega uma peça e falta alimento, facilmente passam fome já que, como produzem só o que consomem nem desenvolvem mecanismos para armazenamento [2] de alimentos, não podem contar com estoques reguladores. As poucas trocas com grupos adjacentes dependem de alianças previamente cultivadas justamente para estes momentos de incerteza. Porém, se o desastre for perene ou resultar de dissidência política interna, pode não haver alternativa. Desequilíbrios estruturais são resolvidos pela busca de outro local mais fértil mesmo que signifique a invasão de territórios de grupos vizinhos [3], isto é, pela “guerra”.

A mera produção de alimento ocupa boa parte do dia e requer grande esforço físico, há pouca divisão e especialização do trabalho e a que existe se baseia em critérios como idade e sexo. As atividades econômicas exercidas pelos homens são as que requerem maior força e agilidade muscular, como a caça e a defesa enquanto as mulheres cuidam da agricultura de subsistência, da preparação de alimentos e da reprodução da mão de obra [4].  As crianças, à medida que crescem, contribuem para o sustento da sociedade da mesma maneira que os velhos, ainda que em atividades fisicamente mais leves, continuam a trabalhar até a morte. Espera-se que cada um, dê sua contribuição para o sustento do grupo ainda que o grosso deste seja executado pela população adulta – aquela que os economistas chamam de população economicamente ativa.

Quando ouvimos estórias que em algumas destas sociedades parturientes matam recém-nascidos fisicamente imperfeitos ou que velhos ficam para trás para morrer quando não mais podem contribuir para o seu sustento, não estamos ouvindo relatos bárbaros, mas ações racionais de humanos que sabem que não produzem excedente para alimentar a boca daqueles que não podem por si só dar contribuição equiparável para o sustento do grupo. Portanto, o direito de pertencer ao grupo, está associado à participação econômica, e a população economicamente ativa compreende um espectro ampliado de idades incluindo jovens e idosos.  Vale observar que a ética atual de condenação do trabalho infantil não é, e não poderia ser, compartilhada por uma sociedade deste tipo. Analogamente, a possibilidade de empregar produtivamente toda sorte de deficiência física e permitir que idosos parem de trabalhar mas recebam remuneração, só é possível em uma estrutura econômica que produz excedente alimentar, realiza trocas e possuí vários mecanismos para transferir riqueza para o futuro.

Outro ponto fundamental é que estas sociedades tribais, justamente pela pouca intervenção que fazem nas condições naturais e pela baixíssima produtividade dos fatores de produção (terra e trabalho), não conseguem sustentar grupos populacionais muito grandes. No filme Dança com os Lobos, há uma cena na qual vemos de longe a aldeia. Não são mais do que 30 teepees. Se considerarmos esta configuração a de uma aldeia típica e formos otimistas e acharmos que em cada teepee vivem 10 pessoas, estamos falando de 300 indivíduos por aldeia que provavelmente morriam aos 35-40 anos! Nosso mundo tem 7 bilhões de pessoas, muitas já vivendo 80 anos! Diante de um planeta que se esgota, precisamos empregar o vasto conhecimento que acumulamos para atingir o equilíbrio sem a utopia de achar que harmonia dos Awás com o meio ambiente poderia ser atingida sem reduzir a população mundial – envolvendo, evidentemente, a escolha ética de quem mercê viver.

Então sustentabilidade, diz respeito a como as sociedades se sustentam no presente e o que fazem para preservar as condições de sua sustentação no futuro. Isso, evidentemente, envolve raciocínio sobre a alocação de recursos – escassos – no presente e entre o presente e o futuro [5]. O campo de conhecimento que se dedica ao estudo da alocação de recursos escassos é a economia. Portanto, sustentabilidade, além de envolver questões ecológicas e sociais é, essencialmente, uma questão econômica. No entanto, nem sempre associamos sustentabilidade como um tema para economistas nem os vemos fazendo paralelos com sociedades tribais[6]. Mas isso se deve ao fato que o estudo de economia como tal, se constituiu no final do sec. XVIII, quando viveu Adam Smith. Nessa época a Europa já tinha economias de mercado e estruturas econômicas consideravelmente mais elaboradas do que a dos Awás, Sioux e Masais. Os economistas então se ocuparam da questão da alocação em econômicas que já contavam com cadeias produtivas muito mais complexas.

Graças ao desenvolvimento da economia de mercado, isto é, aquela em que se produz mais do que se precisa – excedente – para que sobre para a troca (em mercados) e que possui mecanismos que facilitam a troca (como o dinheiro), podemos: 1) sustentar bocas que não trabalham; 2) dividir o trabalho por critérios de qualificação e habilidades físicas ou não e 3) criar mecanismos de investimento para permitir que se transfira riqueza do presente para o futuro. Então, hoje, as crianças brincam; os jovens se preparam para se engajarem na atividade de sustentação da sociedade com maior qualificação estudando até 18-22 anos (investimento em capital humano) e é perfeitamente factível que aqueles com deficiências físicas de qualquer espécie venham se engajar na população economicamente ativa. E enquanto ativa, essa população tem, cada vez mais, instrumentos por meio dos quais transfere riqueza para o futuro de tal forma que possam ter como se sustentar na sua inatividade (aposentadorias).

As cadeias produtivas na nossa economia são tão complexas que esquecemos que uma simples batata frita percorre um longo caminho até chegar a nossa boca. Afinal alguém aduba um solo e planta a semente, espera crescer e colhe, ensaca, transporta até um atacadista, que transporta para um supermercado, no qual é comprada, lavada, descascada, cortada, fritada, colocada num prato até chegar a sua boca. Em cada etapa desse trajeto existe trabalho remunerado (para quem planta, colhe, transporta, vende, cozinha etc.).

Mas apesar de toda a nossa sofisticação, uma coisa permanece igual – a sociedade inativa (crianças, jovens e aposentados) é sustentada pela população economicamente ativa formada por homens e mulheres que vendem sua força de trabalho [7].

 

[1] Reportagem de Mirian Leitão com fotos de Sebastião Salgado – O Globo (4/8/2013)

[2] As sociedades orais não tem como armazenar conhecimento fora da memória das pessoas. Em consequência o conhecimento técnico se limita àquele que se pode armazenar na memória de cada um e a transmissão deste só se dá por meio presencial. As sociedades letradas registram conhecimento fora da mente humana, possibilitando um acumulo deste longo do tempo, ampliando sua transmissão (por meio da comunicação não presencial) o que possibilita maior desenvolvimento tecnológico.

[3] Chanon, Napoleon – Yanomamö, The fierce people (1977)

[4] Não estamos esquecendo do papel biológico do homem na reprodução humana, mas enfatizando o trabalho e uso do corpo para a execução desta atividade econômica. Dado que a gestação e a amamentação envolvem o uso do corpo da mulher, há de se convir que sua participação econômica direta na reprodução da mão-de-obra é maior. Cabe às mulheres o trabalho que consume tempo e esforço físico para executar o único mecanismo de transferência de riqueza para o futuro possível nessas sociedades.

[5] O livro de Eduardo Gianetti, O Valor do Amanhã (2005, Editora Schwarcz), introduz a temática da escolha intertemporal (alocação de recursos ao longo do tempo) e o conceito de juros.

[6] Campo de estudo dos antropólogos que, por sua vez, não estão especificamente preocupados em examinar apenas ou principalmente as estruturas econômicas das sociedades que estudam.

[7] Considero que o capital (financeiro, tecnológico, intelectual, etc.) é fruto da interação, ao longo do tempo, dos únicos dois fatores de produção fundamentais – terra e trabalho.

 

por Silvia Pereira

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