“A clareza é a cortesia dos sábios.”

 José Ortega Y Gasset

 

Introdução

Um curioso exercício intelectual é a investigação dos benefícios e prejuízos que a chegada de uma corporação a uma cidade pode acarretar às pessoas que nela habitam. Quem nasceu em uma cidade pobre do interior sabe exatamente o que significa a notícia de que uma fábrica, uma organização varejista ou um grande banco vai iniciar, ali, algum tipo de atividade econômica/industrial. Novas oportunidades de emprego, crescimento profissional e ascensão social, a perspectiva de atração de inúmeros fornecedores e consequente incremento do fluxo financeiro, incluindo arrecadação de impostos, tudo isso passa imediatamente a povoar o imaginário das pessoas daquela cidade. De fato, o Brasil está repleto de bons e também de maus exemplos do que pode ocorrer a uma cidade e a seus moradores em decorrência dos impactos, para o bem ou para o mal, causado pelas corporações que abrigam.

Maus Exemplos

As empresas que atuam no setor extrativista, com raríssimas exceções, construíram ao longo do tempo, um péssimo histórico de interação com pessoas e meio ambiente. A atividade de mineração é a que tem mostrado o nível mais baixo de compromisso social e ambiental em comparação, por exemplo, com a exploração de petróleo.

Degradação visual da paisagem, ruídos e vibração provocados por explosivos, tráfego intenso de veículos pesados, poeira e gases produzidos durante os processos de perfuração, beneficiamento e transporte da produção, consumo extraordinário de água associado à contaminação dos corpos hídricos, disposição final inadequada de rejeitos, são os efeitos mais conhecidos que compõem o conjunto de impactos ambientais associados ao rastro de destruição que acompanha as atividades de mineração.

Já as empresas petrolíferas, têm feito vultosos investimentos em atividades de gestão socioambiental com o fito de resgatar suas imagens, seriamente abaladas por sucessivos desastres ambientais provocados por grandes vazamentos de petróleo ocorridos no mar. No Brasil, o desastre mais relevante ocorreu em janeiro de 2000, quando um problema nas tubulações da Reduc provocou o vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo na Baía de Guanabara, causando grandes danos aos manguezais, praias e à comunidade de pescadores, trazendo enorme prejuízo à imagem da Petrobrás.

A Britsh Petroleum – BP, gigante mundial do ramo de extração de petróleo, recebeu no mês de novembro de alguns anos atrás, a maior pena criminal da história dos Estados Unidos e concordou em pagar cerca de US$ 4,5 bilhões de dólares pelo vazamento de enorme quantidade de óleo que atingiu uma extensa área do Golfo do México com prejuízo incalculável para muitas espécies animais e vegetais, tanto no mar quanto na costa.

Outro fenômeno que pode se revelar nefasto para as pessoas é o oportunismo de ocasião caracterizado pela chegada de empresas construtoras que tornam as cidades reféns e vítimas da especulação imobiliária causando seu adensamento indiscriminado e não planejado, contribuindo decisivamente para o colapso da mobilidade urbana e deterioração da qualidade de vida dos moradores, bem como para apagar a memória e a história das cidades que, frequentemente, estão associadas aos lugares que serão utilizados para suas novas edificações. De acordo com Manuel Castells (1999), o espaço dos lugares teria sido substituído pelo espaço dos fluxos: fluxos de capital, fluxos da informação, fluxos da tecnologia, fluxos de imagens, sons e símbolos. O espaço de poder e riqueza é, na visão de Castells, projetado pelo mundo e moldado em pedra, concreto, aço e vidro, enquanto a vida e a experiência das pessoas ficam enraizadas em lugares, em sua cultura, em sua história. Poderíamos acrescentar que, todo esse processo acaba por provocar, invariavelmente, o aumento do já elevado déficit socioambiental urbano que ora vivenciamos.

Importante realçar, porém, que a frequência e magnitude dos problemas causados pelo comportamento inadequado das corporações variam em função da omissão do Poder Público, uma vez que essas coisas não se separam. A omissão pode ocorrer tanto na prevenção, devida a uma regulamentação frágil, ou na ausência de fiscalização e punição diante das infrações cometidas pelas corporações.

Bons Exemplos

Felizmente, há um sem número de casos positivos que podemos contrapor aos exemplos ruins descritos acima. Existem corporações no Brasil que desempenharam papel relevante e até mesmo histórico na evolução econômica, tecnológica, social e cultural das cidades onde suas sedes estão baseadas. Podemos começar pelo caso expressivo da Embraer sediada na cidade paulista de São José dos Campos. Criada como empresa de economia mista em 1969, com a maior parte do capital votante nas mãos do Estado brasileiro foi privatizada em dezembro de 1994 com aquisição realizada por consórcio formado por bancos, empresas e fundos de pensão. Sobre a importância dessa empresa para tal município, basta assinalar que 1/3 da totalidade dos empregos da Indústria de Transformação de São José dos Campos referiam-se à atividade aeronáutica em 2008.

Outro exemplo que merece destaque é o papel desempenhado pela WEG S.A sediada na cidade catarinense de Jaraguá do Sul. O editorial de 15 de setembro de 2012 da Tribuna de Santa Catarina ao homenagear a WEG destacou: “Há 51 anos nascia uma das empresas mais importantes para o desenvolvimento de nossa cidade e região. Com ideias inovadoras, responsabilidade social e comprometimento com a excelência em qualidade, a WEG não é apenas uma empresa que fabrica motores, mas, sim, um empreendimento de possibilidades”.

Atuação do Poder Público

Conforme já afirmamos anteriormente, o papel do Estado é fundamental para induzir o bom comportamento das corporações no que concerne às boas práticas socioambientais. A Noruega merece ser citada, sempre, como uma referência de país moderno, haja vista os princípios basilares que suportam seu Pacto Nacional:

  • democracia
  • prioridade para educação
  • equidade social

Estendendo sua preocupação para além de suas fronteiras, este País sediou um Congresso cujo objetivo foi avaliar a atuação de suas empresas no exterior, vistas como suas representantes e guardiãs de sua reputação mundial. Uma das maiores preocupações é a necessidade da criação de um Padrão de Operação Global capaz de uniformizar a atuação de suas empresas tanto em âmbito nacional quanto no exterior.

No Brasil, especialistas de renome igualmente partilharam esta preocupação, daí entenderam que um passo importante seria a padronização de um modelo para as corporações divulgarem seu Balanço Socioambiental, o que facilitaria a realização de benchmarking entre elas.

Uma proposta interessante é o framework concebido pela Global Reporting Initiative-GRI. Trata-se de uma organização não governamental internacional, com sede em Amsterdã, na Holanda, cuja missão é desenvolver e disseminar globalmente diretrizes para a elaboração de relatórios de sustentabilidade, utilizadas voluntariamente por empresas do mundo todo.

Em outubro de 2006, a GRI lançou a terceira geração das Diretrizes, a chamada G3, concebida de modo a fortalecer os princípios para a elaboração de relatórios de sustentabilidade e conta com protocolos técnicos para todos os indicadores de desempenho. Em dezembro de 2006, a versão em português foi lançada no Brasil, após um amplo trabalho que envolveu o Instituto Ethos, a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (GVces).

A GRI promoveu diversas consultas públicas para elaboração da versão G4 de suas Diretrizes cujo lançamento foi feito durante a conferência da GRI, que se realizou em maio de 2013.

Importante frisar que algumas nações da Europa, como é o caso da França e Dinamarca, criaram legislação tornando obrigatória para as corporações, a adoção de relatórios socioambientais padronizados.

Conclusão

Diante de tudo o que foi exposto anteriormente, parece claro que o papel das corporações como poderoso agente de transformação das cidades com reflexos diretos para seus moradores não deve ser ignorado pelo Estado. Ao contrário, a atuação e comportamento das corporações devem ser alvos permanentes de acompanhamento do Estado, seja para induzir e estimular as boas práticas socioambientais, ou, quando necessário, inibir e até mesmo reprimir condutas inadequadas ou nocivas aos cidadãos.

 por Ciro Mendonça

NEWSLETTER

Receba as novidades da LCM Treinamentos