A startup enxuta tira seu nome da produção enxuta, a revolução que Taiichi Ohno e Shigeo Shingo promoveram na Toyota. O pensamento enxuto está alterando radicalmente a maneira pela qual as cadeias de suprimento e os sistemas de produção são conduzidos. Entre seus princípios estão o aproveitamento do conhecimento e da criatividade de cada funcionário, a redução dos tamanhos dos lotes, a produção do tipo just in time, o controle do estoque e a aceleração do tempo de ciclo. Ensinou ao mundo a diferença entre atividades com valor das outras, e mostrou como desenvolver qualidade nos produtos de dentro para fora.

A startup enxuta adapta essas ideias ao contexto do empreendedorismo, propondo que os empreendedores julguem seu progresso de maneira distinta do modo pelo qual outros tipos de iniciativas empresariais julgam. O progresso na manufatura é medido pela produção de bens físicos de alta qualidade. A startup enxuta utiliza uma unidade diferente de progresso, denominada aprendizagem validada. Com a aprendizagem científica como nosso parâmetro, podemos descobrir e eliminar as fontes de desperdício que assolam o empreendedorismo.

Uma teoria abrangente de empreendedorismo deve abordar todas as funções de um empreendimento na fase inicial: visão e conceito, desenvolvimento de produto, marketing e vendas, aumento de escala, parcerias e distribuição, e estrutura e desenho organizacional. Tem de proporcionar um método de medir o progresso num contexto de extrema incerteza. Pode dar aos empreendedores orientação clara sobre como tomar diversas decisões espinhosas:

  • investir ou não em processo e quando investir; formulação, planejamento e criação de infraestrutura; quando fazer sozinho e quando fazer com uma parceria; quando responder ao feedback e quando persistir na visão; e como e quando investir na expansão da capacidade da empresa. E mais que tudo: deve permitir aos empreendedores a realização de previsões que podem ser testadas.

Por exemplo, consideremos a recomendação de que você forme equipes multifuncionais, responsáveis pelo que denominamos marcos de aprendizagem, em vez de organizar sua empresa em rígidos departamentos funcionais (marketing, vendas, tecnologia da informação, recursos humanos etc.), que incentivam as pessoas a desempenhar bem suas funções em suas áreas de especialização. Talvez você concorde com essa recomendação, ou talvez fique cético. De qualquer maneira, se decidir implementar a recomendação, prevejo que rapidamente terá feedback das suas equipes de que o novo processo está reduzindo a produtividade. As equipes solicitarão um retorno ao antigo modo de trabalho, no qual tinham a oportunidade de “permanecer eficientes” trabalhando em lotes maiores e compartilhando o trabalho entre departamentos.

É seguro prever esse resultado, e não só porque observei isso diversas vezes na empresa em que trabalho. É uma previsão objetiva da própria teoria da startup enxuta. Quando as pessoas estão acostumadas a avaliar sua produtividade somente considerando a própria função, elas acham que um dia bom é aquele em que fizeram bem seu trabalho durante todo o dia. Quando trabalhei como programador, isso significava oito horas diretas de  programação, sem interrupção. Aquele era um dia bom. Em contraste, se era interrompido com perguntas, processos, ou – Deus me livre! – reuniões, me sentia mal. O que eu realmente executava naquele dia? Codificação e funcionalidades do produto eram tangíveis para mim; podia vê-las, entendê-las e mostrá-las. A aprendizagem, em contraste, é intangível.

A startup enxuta pede para as pessoas começarem a medir sua produtividade de maneira diferente. Como as startups muitas vezes desenvolvem acidentalmente algo que ninguém quer, não tem muita importância se as pessoas fazem isso no prazo e dentro do orçamento. O objetivo de uma startup é descobrir a coisa certa a criar – a coisa que os clientes querem e pela qual pagarão – o mais rápido possível. Em outras palavras: a startup enxuta é uma nova maneira de considerar o desenvolvimento de produtos novos e inovadores, que enfatiza interação rápida e percepção do consumidor, uma grande visão e grande ambição, tudo ao mesmo tempo.

Henry Ford é um dos empreendedores mais bem-sucedidos e famosos de todos os tempos. Como a ideia da administração foi associada à história do automóvel desde os primeiros dias, acredito que é apropriado empregar o automóvel como metáfora para uma startup.

Um carro é equipado com dois ciclos de feedback importantes e muito diferentes. O primeiro ciclo ocorre dentro do motor de combustão interna. Antes de Henry Ford se tornar um CEO famoso, ele era engenheiro. Em sua oficina, passou dias e noites experimentando a mecânica exata para obter o movimento dos cilindros do motor. Cada pequena explosão dentro do cilindro gera força motriz para girar as rodas, e também produz a ignição da próxima explosão. Se o timing desse ciclo de feedback não for gerenciado de modo preciso, o motor vai engasgar e deixar de funcionar.

As startups possuem um motor semelhante, que denomino motor de crescimento. Os mercados e os clientes para as startups são distintos: uma empresa de brinquedos, uma firma de consultoria e uma fábrica podem não parecer que têm muito em comum, mas, como veremos, funcionam com o mesmo motor de crescimento.

Cada nova versão de um produto, cada novo recurso e cada novo programa de marketing são uma tentativa de melhorar esse motor de crescimento. Como as experiências de Henry Ford em sua oficina, nem todas essas mudanças geram melhorias. O desenvolvimento de um novo produto acontece aos trancos e barrancos. Muito tempo na vida de uma startup é gasto regulando o motor a fim de obter melhorias no produto, no marketing ou nas operações.

O segundo ciclo de feedback importante num automóvel está entre o motorista e o volante. Esse feedback é tão imediato e automático que muitas vezes não pensamos nele, mas é a condução que diferencia o ato de dirigir da maioria das outras formas de transporte. Se você vai de carro para o trabalho todos os dias, provavelmente conhece o trajeto tão bem que suas mãos parecem guiá-lo até lá espontaneamente. Podemos percorrer o trajeto praticamente dormindo. No entanto, se eu lhe pedir para fechar os olhos e anotar exatamente como chegar ao seu escritório – não os sentidos das ruas, mas cada ação que você precisa fazer, cada movimento da mão no volante e dos pés nos pedais -, você considerará isso impossível. A coreografia da condução é incrivelmente complexa quando a pessoa para de fazer outras coisas para pensar a respeito.

Em contraste, uma espaçonave requer exatamente esse tipo de calibragem prévia. Tem de ser lançada com as instruções mais precisas sobre o que deve ser feito: cada empuxo, cada descarga do propulsor e cada mudança de direção. O menor erro no local de lançamento pode provocar resultados catastróficos milhares de quilômetros depois.

Infelizmente, diversos planos de negócios de startups parecem mais que estão planejando o lançamento de uma espaçonave do que a condução de um carro. Esses planos prescrevem os passos a seguir e os resultados esperados nos mínimos detalhes, e como no planejamento para lançar um foguete, são configurados de uma maneira que mesmo erros minúsculos nas hipóteses podem levar a resultados catastróficos.

Uma empresa em que trabalhei foi infeliz em prever uma significativa adoção pelos clientes – na casa dos milhões – de um dos seus novos produtos. Alimentado por um lançamento espalhafatoso, a empresa executou bem seu plano. Infelizmente, os clientes não adquiriram o produto em números expressivos. Ainda pior, a empresa investira em grande infraestrutura, contratações e suporte para lidar com o fluxo de clientes esperado. Quando os clientes não se materializaram, a empresa tinha se comprometido tanto que não conseguiu se adaptar no devido tempo. Ela tinha “alcançado o fracasso” – fielmente, com êxito e executando com rigor um plano que se revelou completamente imperfeito.

O método da startup enxuta, em contraste, é projetado para você aprender a dirigir uma startup. Em vez de projetar planos complexos, baseados em inúmeras hipóteses, você pode fazer ajustes constantes por meio do “volante”, que é o ciclo de feedback construir-medir-aprender. Por meio desse processo de condução, podemos aprender quando e se é o momento de fazermos uma curva fechada chamada pivô ou se devemos perseverar em nosso caminho atual. Uma vez que temos um motor em funcionamento, a startup enxuta oferece métodos para dimensionar e desenvolver o negócio com aceleração máxima.

Em todo processo de condução, você sempre tem uma ideia clara de onde está indo. Se você está indo para o trabalho, não desiste porque há um desvio no caminho ou porque entrou numa rua errada. Você continua concentrado em chegar ao seu destino.

As startups também possuem um norte verdadeiro, um destino em mente: criar um negócio próspero e capaz de mudar o mundo. Chamo isso de visão de uma startup. Para alcançar essa visão, as startups empregam uma estratégia, que inclui um modelo de negócios, um plano de produto, um ponto de vista acerca dos parceiros e dos concorrentes, e as ideias a respeito de quem serão os clientes. O produto é o resultado final dessa estratégia.

Os produtos mudam constantemente através do processo de otimização, o que denomino ajustando o motor. Com menos frequência, a estratégia pode ter de mudar. No entanto, a visão dominante raramente muda. Os empreendedores estão comprometidos a conduzir a startup até aquele destino. Cada revés é uma oportunidade de aprendermos como chegar aonde queremos.

Na vida real, uma startup é um portfólio de atividades. Muita coisa está acontecendo simultaneamente: o motor está em funcionamento, adquirindo novos clientes e atendendo os existentes; estamos fazendo ajustes, tentando melhorar nosso produto, marketing e operações; e estamos na condução, decidindo se devemos pivotar e   quando. O desafio do empreendedorismo é equilibrar todas essas atividades. Mesmo as menores startups enfrentam o desafio de dar apoio aos clientes existentes enquanto procuram inovar. Mesmo a empresa mais estabelecida, enfrenta o imperativo de investir em inovação, a fim de não se tornar obsoleta. À medida que a empresa cresce, o que muda é o mix dessas atividades no seu portfólio de trabalho.

Empreender é gerenciar. No entanto, imagine uma gerente moderna que tem a missão de construir um novo produto no contexto de uma empresa estabelecida. Imagine que ela procure o diretor financeiro da empresa um ano depois, dizendo: “Não conseguimos cumprir as metas de crescimento que previmos. Na realidade, não temos quase nenhum novo cliente e nenhuma nova receita. Contudo, aprendemos muito e estamos na iminência de uma nova linha de negócios revolucionária. Tudo de que precisamos é de mais um ano”. Na maioria das vezes, esse seria o último informe que essa empreendedora interna daria ao seu empregador. O motivo para isso é que, na administração geral, o fracasso em apresentar resultados deve-se ao insucesso de planejar adequadamente ou ao insucesso de executar corretamente. Os dois são lapsos significativos. No entanto, o desenvolvimento de um novo produto na economia moderna requer exatamente esse tipo de fracasso no caminho para a grandeza. No movimento da startup enxuta, começamos a perceber que esses inovadores internos também são empreendedores, e que a administração do empreendedorismo pode ajudá-los a ter êxito; esse é o tema do próximo capítulo.

 

Fonte: A Startup Enxuta – Eric Reis

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