Há uma disfunção visual, que em geral atinge os homens, denominada discromopsia, ou discromatopsia. Esta disfunção leva a confundir cores com matizes semelhantes. Não deve ser confundida com o daltonismo, que envolve as cores verde e vermelho. A discromopsia envolve todas as cores. Você as confunde, e não consegue, mesmo alertado, perceber a cor real.

Há um teste, aplicado nos exames de habilitação para direção de veículos, o teste de Ishiara (parece-me esta a grafia correta), que detecta a disfunção. Consiste em uma infinidade de esferas coloridas, nas quais, formados por esferas de uma única cor, está inserido um número. Os portadores da disfunção não conseguem, mesmo orientados, perceber este número.

Usei este exemplo (sou um portador da disfunção), para abordar um tema que, embora envolva todos nós, nem sempre é entendido como um instrumento de nossa rotina, adotado em significativos e numerosos eventos de nosso ciclo produtivo.

Este tema é a negociação, e neste texto o intento é nos ocuparmos de um tipo específico de negociação: a negociação de percepções.

Recentemente, nas eleições para prefeito, ocorreram diversas situações em que os candidatos escolhidos pelo voto para disputar o segundo turno não representaram a corrente ideológica de uma parcela do eleitorado.

Ao decidir o que fazer com o seu voto, o cidadão poderia, em princípio (haveria a opção do voto em branco e do voto nulo), depositar (ou registrar) seu voto no candidato que, em sua percepção, se mostraria mais adequado ao cargo (dentro do universo de escolhas).

Entretanto, é importante frisar que, mesmo optando por um dos dois, seu voto ideológico, sua crença não os contemplaria. Em sua opinião continuava “percebendo” que aquela não era a sua escolha espontânea (não tinha sido no primeiro turno).

Numa negociação, na qual coloca-se em jogo a percepção dos interlocutores em relação a um determinado foco, faz-se necessário estar atento ao fato de que determinadas posições são assumidas, mas os fatos continuam a ser percebidos da forma original.

Assumem-se posições, referendam-se posturas, mas a visão original permanece intocada. Se alguém assume alguma postura ou atitude que nos impacta, negativa ou positivamente, mesmo que o fato seja relevado no futuro, o registro original permanece, por vezes quase esmaecido, mas ele está lá.

Vemos o azul na paisagem, somos informados que o que vemos não é azul, é verde. Aceitamos pela pressão, mas ao olhar para aquele ponto, nossa percepção nos mostra o azul, e não o verde.

Numa negociação é essencial que dediquemos uma atenção especial a percepção que as pessoas têm dos fatos. Qualquer distorção pode influir, de forma significativa no comprometimento com as bases ou com o resultado.

Mais do que levar seu interlocutor aceitar o resultado é essencial mostrar-lhe a coerência do que foi acordado, quando comparado com o que originalmente havia se posicionalmente.

O nível da argumentação deve levar em conta fatores concretos, onde a interpretação não deixe margem a dúvidas ou situações não claramente justificadas.

A percepção é a primeira etapa em um processo de mudanças. A percepção, em um indivíduo pode ser impactada quando três dimensões são afetadas:

  • A dimensão valorativa, onde situam-se valores, crenças, ideologias;
  • A dimensão cognitiva, onde permeiam informações, conhecimentos;
  • A dimensão afetiva, na qual competem necessidades, demandas, expectativas;

Mudar a percepção significa interferir em uma dessas três dimensões, o que pode incluir:

  • Oferecer, sob uma nova ótica, valores diferenciados, formas de aperfeiçoamento e contemporaneização de crenças e da própria ideologia;
  • Na administração científica uma teoria substitui outra quando a desmente, supera ou agrega novas variáveis que a anterior não apresenta condições de incorporar;
  • Na negociação não é diferente, a incorporação em nossa dimensão valorativa, de componentes que, historicamente, não tem espaço em nossas convicções originais, pode levar a uma revisão de nossos valores e, consequentemente, alterar nossa percepção diante de uma determinada situação.

Por exemplo, voltando as eleições, um dos partidos de esquerda, com postura radical recusou-se a, sistematicamente a fazer coligações; perdeu em alguns locais, onde era favorito, por seu purismo (?) ideológico exacerbado.

Este é um momento interessante de mostrar a seus adeptos que, rever o conceito de coligações, e buscando parcerias onde não haja necessidade de se violentar ideologicamente.

Mostrar a adeptos de hábitos nocivos as razões pelas quais devem enxergar as consequências destes hábitos, e por isso alterar seu comportamento, é também uma forma de alterar valores.

Transmitir informações, permitir que seu interlocutor tenha acesso a níveis de conhecimento não disponíveis em suas convicções.

Levar ao interlocutor um conjunto de dados não percebido por ele, e que ele possa transformar em informações importantes, e que lhe permitam agregar conhecimentos capazes de contribuir para consolidar sua posição, ou a posição que você na negociação, gostaria de ver percebida ou atingida por ele, é um caminho eficaz.

Trazer um novo dado, notícia, variável, uma nova visão do cenário, uma forma diferente de ver as coisas, um contexto não contemplado por seu interlocutor, mas considerada por você fundamental para a mudança de percepção do interlocutor em relação a sua postura negocial, é uma opção real e consistente.

A terceira dimensão, a afetiva, mostra sinais mais concretos, para sua impactação.

Efetivar uma parceria desejada, atingir um estágio mais avançado na consecução de um objetivo, obter um determinado benefício, ou saciar um anseio ou vontade, fazendo com que seu interlocutor vislumbre essa possibilidade de forma mais efetiva (e isso pode ser obtido integrando o impacto entre as três dimensões) pode revelar-se um instrumento que consolide a alteração de percepções.

Negociar percepções, portanto, significa antes de mais nada:

  • Conhecer os objetivos, prioridades, e, se possível identificar os reais interesses, manifestos ou não pelo seu interlocutor na negociação.
  • Definir claramente, a partir das variáveis disponíveis em seu poder, o que realmente é importante para ele na negociação, e, em função disto, o que pode ser a base da discussão.
  • O que você pode oferecer em troca do que pretende obter, das concessões a serem feitas, do nível e das variações de barganha.
  • Seus objetivos, suas prioridades e seu real interesse, pois determinarão sua conduta durante o processo negocial.

Mais do que entender a posição que seu interlocutor defende na negociação, esta reflexão nos mostrou a necessidade de conhecer e decodificar o nível de percepção do interlocutor, entender como ele “enxerga” as diversas variáveis que interferem no processo negocial.

A partir desse conhecimento, torna-se possível instrumentar-se para desenvolver um processo do que chamamos, no início deste texto, “negociação de percepções”.

Este primeiro passo vai levar a uma mudança de atitudes, e em sua consolidação, a uma mudança comportamental, capaz de alterar e influir significativamente nos resultados da negociação.

Segundo Fisher & Ury, a negociação, se não levar a um acordo, deve permitir o acompanhamento e a não deterioração da relação entre as partes envolvidas.

Texto de Francisco Bittencourt

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